A esta altura devo um pedido de desculpas ao povo de Guadalajara. Demorei demais para registrar o quanto essa gente ama brasileiros. Muito mais do que a Copa de 1970, o escrete canarinho conquistou o coração dos caras. Nas ruas, no comércio, no trânsito, basta dizer a nacionalidade para que sorrisos se armem sob os bigodes e sobrancelhas grossas.

Até para retribuir tanta hospitalidade, a Embratur organizou uma noite típica brasileira para “periodistas” e “invitados”. De Carmen Miranda à feijoada servida no hemisfério Norte, sempre tive sérios problemas em lidar com os clichês folclóricos do meu país. Antes de aceitar o convite, sabia que, sob esse ponto de vista, a noite seria de alto risco.

Fachos de luz atirados para o alto anunciavam o local da festa. Chegamos, eu o parceiro João Castellano, no começo do segundo tempo (mais uma vez, as tarefas nos prenderam até tarde). É aquele momento em que as pessoas já estão amaciadas, e os meninos ganham coragem para falar tolices picantes ao ouvido das meninas. Fresca e enluarada, a noite fornecia o cenário para o bote perfeito.

O palco era uma linda e ampla área verde com lago no meio. Mocinhas bonitinhas e simpatiquinhas distribuíam folhetos na recepção. Depois de nos livrar delas, corremos para achar uma lata de lixo onde depositar os tais folhetos. Não era uma ocasião para estar com as mãos ocupadas. Afinal, havia dois bares logo na entrada.  

Maioria entre os presentes, os jornalistas se dividiam em dois grupos facilmente identificáveis. O primeiro teve tempo de passar no hotel, tomar banho e colocar uma roupinha. Com a credencial ainda pendurada no pescoço, o segundo grupo carregava as marcas do dia de trabalho e tinha a sensação de estar com os dentes peludos, devido à distância entre a festa e a hora em que eles haviam sido escovados pela última vez.
 
Em volta disso tudo, o que eu tanto temia. Um festival de clichês brasileiros. Imagens projetadas do Cristo Redentor, do Corcovado, do Maracanã… Comentei o fato com colegas gaúchos e mineiros. Chegamos à conclusão de que a Embratur deveria criar uma subempresa para divulgar o resto do País e mudar seu nome para EmbratuRio.

Bom, mas deixei isso pra lá e fui pra cima de outro clichê nacional, a caipirinha, preparada por um sujeito com a cara do Danny Trejo (dá uma googlada aí). A cachaça utilizada era a acentuada (no sentido gramatical) Pitú. E ela foi despejada sobre um dos vários copos que já estavam arranjados com açúcar e limão. A tarefa de amassar minimamente o limão e misturar os ingredientes ficava a cargo do bebedor. Não vou dizer o que achei da caipirinha. Digo apenas que, desde ontem, estou à espera de uma chance para oferecer uma marguerita com suco em pó a um mexicano.

Beleza, vamos para a cerveja. Muito elegante em uma garrafinha de 210 ml, a Corona cumpriu seu papel de fornecer refrescância e leve amargor. O problema é que, a cada meia hora, a cerveja acabava. Um batalhão de desesperados se indignava diante de impassíveis balconistas. “No hay más”, senhor, diziam sem demonstrar compaixão. Pouco depois, uma nova leva de Coronas geladas aparecia não se sabe de onde.

Rolava um show da Bebel Gilberto. Mas a maioria dos convidados parecia mais ocupada em garantir a sua cerveja antes que acabasse de novo. Uma pena. A mulher estava cantando divinamente e com uma banda de apoio delicada como a voz do seu pai.

Saiu a Bebel, entrou a tecneira, e a pista finalmente muvucou-se. Apesar dos soluços no fornecimento de cerveza, os jornalistas brasileños foram dando um jeito de ficarem mais soltinhos. Dançamos todos, principalmente depois que o DJ conseguiu achar os CDs de música brasileira. A hora avançava e todo mundo estava duelando com um cansaço extremo. Os organizadores apostavam nisso para que a festa chegasse ao fim.

A estratégia não funcionou. Enquanto tivesse cerveja e boa música, ninguém iria arredar o pé dali. Daí, os organizadores resolveram apelar. Cortaram a música, sumiram de vez com a cerveja e intensificaram as luzes. Só nos restou trocar vários “eu te considero pra caramba” e ir embora, diante do olhar de reprovação dos garçons. É, povo de Guadalajara, gostar da gente é fácil, o difícil é ter paciência.