Não tem sobrado muito tempo para comer por aqui. Comer de verdade, corrijo. Afinal, burrito de praça de alimentação não vale. Em geral, a refeição mais comprometida na nossa agenda é o jantar. Saímos sempre tarde do centro de imprensa, e o único estabelecimento aberto é a loja de conveniência Oxxo, com a sua sedutora coleção de pururucas, nachos e batatinhas sabor jalapeño. O roteiro é parar lá, comprar alguma coisa, ir para o hotel, tomar uma ducha, deitar com um sono comovente, dormir e acordar no dia seguinte com um Kit Kat derretido entre a bochecha e a fronha.

Mas ontem calhou de a gente jantar. Depois de um dia agitadíssimo, o destino acabou nos empurrando para um restaurador reencontro com garfos e facas, aqui respectivamente chamados de tenedores e cuchillos.  Tudo começou após o eterno pega pra capar que é um jogo de vôlei feminino entre Cuba e Brasil. A partida terminou pouco depois das 21h, o próximo ônibus que nos levaria do ginásio de vôlei de volta ao centro de imprensa passaria às 22h. Enquanto eu e João Castellano esperávamos a condução, trocávamos impressões com o radialista Márcio Bernardes. Foi quando ela apareceu.

Com o jaleco dos repórteres fotográficos, ela veio portando aquela bolsa carregadíssima que esses profissionais são condenados a arrastar por aí. O cabelo estava preso em rabo de cavalo, o que tornava ainda mais jovial o conjunto de camisa xadrez com uma calça quase skinny. Zero de maquiagem e um último suspiro de luzes nas pontas dos cabelos passavam a impressão de alguém que não precisa de altas doses de zelo para despertar atenções masculinas.

Ela entrou na conversa. Já passava das 22h30, e nada do ônibus. Decidimos os quatro pegar um táxi. No caminho, ela disse que mora na Cidade do México, que foi parar ali por conta do seu amor pela cultura do país, que tem 23 anos, que é fotógrafa free-lancer para uma grande agência internacional e que namora um fotógrafo mexicano. Acreditamos em quase tudo o que ouvimos. Ah, ela se chama Raquel.

Paramos na frente do centro de imprensa, começamos a nos despedir. De repente, ela disse que estava hospedada na casa de uma amiga no centro da cidade, a umas dez quadras de onde fica nosso hotel. Demos carona pra moça. E ela falou que queria ficar no centro para poder jantar. Foi a senha para que o Oxxo perdesse dois clientes naquela noite.

Resolvemos levá-la para conhecer o La Chata, um dos restaurantes mais populares daqui. Já havíamos ido lá no sábado. A cozinha é completamente aberta e fica logo na entrada. Lá se espreme uma horda de senhoras vestidas de branco. Com panelas, fritadeiras e utensílios gigantes, elas fazem a pajelança responsável pelas filas que ali se formam. Vieram os tacos, as quesadilhas e um outro prato cujo nome foi enxaguado da minha memória pela tequila.

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Nem foi tanta tequila assim. O problema é a junção dessa bebida com uma cerveja chamada Negra Modelo. Em quantidades irresponsáveis, elas se amalgamam para formar um composto capaz de mandar tampas de bueiro para a estratosfera. Mesmo assim, conseguimos manter uma conversa civilizada e rir muito. Lembro que tive uma dificuldade específica justamente por estar à mesa com dois fotógrafos. Com três combos de tequila e cerveja na cabeça, tente falar a frase: “O obturador travou na hora do disparo”.

Pois bem, o jantar terminou, assim como a paciência dos garçons. Deixamos Raquel na casa da amiga e voltamos para o hotel. Momento de protagonizar diálogos que se equilibram entre o machismo mais rasteiro e a ingenuidade etílica: “Nossa, que gata”, “Acho que ela olhou mais pra mim que pra você”, “Eu falei alguma besteira no restaurante?”, “Será que ela vai voltar a falar com a gente?”. Na manhã seguinte, Raquel ainda era assunto. Um de nós comemorava o fato de ter sido adicionado por ela no Facebook. O outro fez bico. Como homem é besta!