Genoino prega unidade, ressalta que as críticas ealguns petistas são apressadas e adverte que opartido não será anexo do Planalto

Todos esperavam que José Genoino, sem mandato depois de 20 anos no Congresso Nacional fazendo oposição a todos os governos, ocupasse um ministério no governo Lula da Silva. Mas os acordos político-eleitorais levaram este ex-professor e ex-guerrilheiro do Araguaia na década de 70 à presidência do PT, partido que ajudou a fundar. Empossado no novo cargo que assumiu no final do ano, logo após perder as eleições para o governo de São Paulo, Genoino agora trabalha a favor do governo, só que com um aviso: “O PT é um partido autônomo, não fará oposição, mas também não vai ser pelego.” Casado com Rioko Kayano, com quem tem três filhos, este cearense de 56 anos, que escolheu São Paulo para trabalhar, está no cargo certo para fazer política. Especialista em crises internas do partido – tão grandes e complicadas como as que enfrentou quando abandonou o comunismo ainda na década de 80 – Genoino vai tentar convencer os companheiros do PT que fazer oposição agora é jogar contra um projeto que pode viabilizar um governo ao mesmo tempo de esquerda e eficiente. Ele falou a ISTOÉ na terça-feira 28, quando acabava de ganhar seu último salário como deputado, e dois dias depois de receber a primeira torta na cara desferida contra uma personalidade pública brasileira. Obra de uma militante do movimento anarquista Confeiteiros sem Fronteiras.

ISTOÉ – Depois de treinar para a guerrilha, abandonar o método da luta armada e virar um eficiente deputado, o sr., hoje no poder, recebeu uma torta na cara quando participava do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Que tipo de guerra o sr. trava agora?
José Genoino

O meu processo de reflexão na esquerda sempre foi dramático e passei por vários constrangimentos, cobranças, críticas e vaias. Fui acusado de neoliberal e traidor. Quando fui agredido em Porto Alegre, me controlei porque aprendi a ser tolerante. Não estou magoado com a covardia de quem faz protestos sem correr qualquer risco, como eu corri. Continuo com as minhas convicções de esquerda: igualdade, ética na política e a luta pela democracia. Quando fiquei preso com outros militantes na Vila Militar, em Brasília, na década de 70, e estávamos sendo transferidos para as cadeias nos Estados, marcamos um ponto para um encontro no ano 2000. Foi no Palácio do Planalto. Só erramos por três anos. E a menina da torta ninguém conhece.

ISTOÉ – Até o deputado Delfim Netto está elogiando o governo Lula. As manifestações públicas de oposição ao governo vêm de membros importantes do próprio partido do presidente. Por quê?
José Genoino

São alguns petistas apressados, não estão fazendo oposição. Estes debates são naturais dentro do PT. O Lula merece um crédito de confiança. Nós da esquerda temos que fazer um pacto de companheirismo e não podemos nos desgarrar agora, sob pena de virarmos grupelhos isolados. Quem critica deve compreender que o PT está começando a implantar um projeto alternativo para o País, sem perder o controle da economia e, ao mesmo tempo, viabilizando projetos sociais. E isto não será implantado com voluntarismo ou irresponsabilidade. Temos que construir maioria parlamentar sem o toma-lá-dá-cá, além de projetar o Brasil no Exterior como um País forte, viável e de credibilidade. Nem a população está com tanta pressa em relação ao governo. Não fomos eleitos para manter o que está aí nem para ficar no gueto. Estamos governando com base numa proposta política ampla, calcada no programa e nas alianças econômicas e políticas.

ISTOÉ – Os acordos eleitorais feitos pelo PT não descaracterizam o programa do partido e as críticas da senadora Heloisa Helena e do deputado Babá são injustas?
José Genoino

As críticas são apressadas. Primeiro, porque o ministério do governo Lula é respaldado pelas urnas e representa os apoios da campanha. Segundo, o governo é amplo, mas tem um rumo claro definido pelo PT e pelo presidente. Terceiro, o governo Lula está acertando no plano externo, com grandes vitórias nestes primeiros movimentos, indo à Argentina, aos Estados Unidos, a iniciativa em relação à Venezuela e agora a participação dele em Davos, depois de passar pelo Fórum Social. Nós incluímos na agenda do País a questão social, tendo como base o programa Fome Zero. Vamos ter uma sucessão na Câmara e no Senado sem crises e sem abalos, coisa que não acontecia há muito tempo.

ISTOÉ – As principais críticas são sobre as decisões econômicas.
José Genoino

As medidas econômicas neste começo são necessárias e inevitáveis. Gostaríamos que o cenário econômico fosse outro. Mas recebemos uma herança complicada com uma dívida pública elevada,
as taxas de juros em 25% e não podem ser baixadas por decreto,
além do risco de guerra que complica ainda mais a situação. O que
o ministro Palocci (Fazenda) está fazendo é governar a crise e não
ser governado por ela. Nós temos feito uma disputa civilizada e política com o mercado, que não está ditando as normas nem nós estamos fazendo guerra a este segmento. É esta relação que possibilitará
a melhoria das linhas de crédito para o Brasil, criação de mecanismos para fortalecer uma poupança interna, viabilização de alguns programas sociais e redução do desemprego. Tudo isto em meio a uma coalizão nunca conseguida com o grande empresariado brasileiro. A nomeação
de duas grandes lideranças empresariais para o Ministério e a criação
do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social são provas de
que o governo está construindo as bases de um projeto para o País
que possibilitará soberania sem isolacionismo e combate à exclusão social, tendo como base o crescimento econômico, a distribuição
de renda e a geração de emprego.

ISTOÉ – Como compreender o aumento na taxa de juros quando todos esperavam mudança?
José Genoino

Eu não fiquei satisfeito, mas não fui criticar, pois sei que o Palocci fez isto não porque quer fazer maldade ou está acumpliciado com o sistema financeiro. Isto foi necessário para ultrapassarmos a herança pesada que recebemos. Há uma crise de fato e temos que ter confiança e respeito com os companheiros do governo.

ISTOÉ – A gestão Lula começa como um governo de transição para implantar, em médio prazo, o verdadeiro programa que o PT deseja?
José Genoino

O programa do PT é referencial e base para o governo Lula. Mas o governo é mais amplo que o PT e a própria esquerda. O grande desafio do Lula é chefiar um governo de alianças, de agregação e negociação. E se não pudermos fazer 100% da nossa vontade, teremos que ter paciência. Lembro que alguns companheiros mais à esquerda são severos na crítica quando o governo é do PT. Mas, quando o governo é de direita, amansam. Devemos perceber que estamos numa conjuntura internacional desfavorável, com hegemonia de direita no mundo e um risco de guerra. Além de o Brasil ser um país complicado. E até mesmo países que fizeram revoluções armadas como a Nicarágua, por exemplo, não conseguiram viabilizar governos de ruptura, sectários e estreitos. Nas palavras do Gramsci (Antonio, teórico italiano de esquerda), temos que aliar o otimismo da vontade com a realidade dos números. O governo vai indo bem. A pressa pode enfraquecer o governo

ISTOÉ – Como vai funcionar o PT agora no governo?
José Genoino

O partido não será estatizado nem anexo do Planalto. Continuaremos com autonomia e uma relação íntima com
os movimentos sociais.

ISTOÉ – Como isto vai funcionar?
José Genoino

Por exemplo: quem participa do governo federal, não
participa da executiva do PT para separar bem as esferas. O partido
faz seus próprios debates e manda sugestões para o governo. Vamos debater as reformas da Previdência, tributária, política e da CLT. O partido vai ter opiniões que em alguns momentos podem não coincidir com o governo, mas não fará oposição. O partido tem que ser forte
para não ser engolido. Hoje a esquerda no mundo tem três modelos
de partido que não nos servem: o primeiro, stalinista, que mistura partido, governo e Estado. O outro modelo é o do partido cooptado, coisa que não interessa. E o terceiro é o partido eternamente de oposição. Onde o PT estava no governo e o restante do partido
na oposição não deu certo e perdemos as eleições. Só vamos
ganhar com o governo Lula se o partido ficar unido.

ISTOÉ – No governo, o PT será uma espécie de amortecedor entre a sociedade e o presidente?
José Genoino

O PT não é e nem será pelego. Será um parceiro, autônomo, responsável. Trabalha com seus quadros que estão no governo
em postos-chave e vai discutir politicamente com o Executivo as mudanças e poderá criticar ou apontar coisas ruins. Não será um
partido para dizer só “sim, senhor” ou servir de amortecedor entre o presidente e a sociedade. Mas o que é fundamental no partido é a sustentação política do governo Lula. Jamais deixaremos de dar sustentação política ao presidente.

ISTOÉ – Mas o partido não abriu mão de parte do seu programa para fazer as alianças e ganhar as eleições?
José Genoino

Não. As teses centrais do programa do PT orientaram o programa do Lula e a nossa tática eleitoral. O que fizemos foi descartar teses superadas. Por exemplo, a idéia do não-pagamento da dívida externa há muito está superada, a palavra de ordem Fora FHC foi derrotada no Congresso de Belo Horizonte e a negociação do governo com as agências multilaterais como o FMI, por exemplo, estava no programa. Nosso objetivo é construir as bases de um outro projeto centrado no crescimento econômico com distribuição de renda e
geração de emprego, de inclusão social. Entendo que para mudar
o Brasil tem que fazer bom governo e bom movimento social, tem
que ser bom de oposição e bom de governo. A coisa que eu mais desejava era ser governo. Se ficar só marcando posição, o partido
não evolui. Agora, nós ganhamos e estamos no melhor momento das nossas vidas, não podemos ter crise de identidade. Nós fizemos uma aliança política com o grande empresariado para ganharmos
as eleições. Agora temos que fazer este projeto dar certo.

ISTOÉ – Nos últimos dois anos o PT foi contra aspectos importantes dos projetos para a reforma na Previdência e tributária. Agora, o mesmo PT constata que as reformas são fundamentais. Como o partido vai tratar estes assuntos?
José Genoino

A reforma tributária sempre foi essencial para o PT, que foi o primeiro partido a apresentar uma proposta de mudanças em 1995. O ministro Palocci, quando era deputado, liderou nossa bancada para aprovar uma proposta de reforma tributária, mas os outros partidos não toparam. Hoje, vamos realizá-la. Para nós, uma reforma tributária significa progressividade para reduzir o imposto de quem ganha menos e cobrar de quem ganha mais, fazer o equilíbrio federativo do País, desonerar a produção e a exportação e criar condições para viabilizar a micro e pequena empresa. A reforma na Previdência também é proposta antiga no PT. O atual sistema é socialmente injusto, independentemente do problema fiscal. Temos que separar direitos adquiridos de privilégios adquiridos, respeitando o sistema especial de algumas categorias, aproximando a contribuição do benefício pago. Além disso, temos que ter um sistema de aposentadoria complementar pública ou privada, aberta ou fechada, criando um sistema gerido por aposentados, trabalhadores, governo e empresários. Quem defende o socialismo não pode manter a previdência do setor público, onde existem castas. Este debate vai mostrar quem é e quem não é de esquerda no Brasil.
 

ISTOÉ – O PT ainda é socialista?
José Genoino

Somos um partido de esquerda que se referencia nos
valores e nas vertentes democráticas e humanistas do socialismo.
O socialismo para nós não é um projeto acabado de sociedade, de
Estado ou de economia. São valores que orientam nossa atividade política. Agora, o governo Lula é mais amplo do que o PT. E não há contradição nisto. A sabedoria é conseguirmos ir construindo um
governo que tem rumo, mas não é exclusivista, não é só da esquerda. Haverá momentos de tensão, mas não deixaremos de apoiar o governo Lula. No mundo não temos uma experiência exitosa e permanente de
a esquerda governar e governar bem depois da devastação neoliberal. Nós estamos diante desta possibilidade.

ISTOÉ – O PT tem uma representação muito expressiva entre os servidores públicos. Isto vai atrapalhar a reforma da Previdência, que atinge basicamente este setor?
José Genoino

Já foi maior, não é tão grande como antes. Sempre disse que nós teríamos que contar a verdadeira história do lobby dos servidores públicos no Congresso. Botaram na conta do PT a aprovação da estabilidade do servidor público após cinco anos de serviço. Mas esta idéia não foi de nenhum parlamentar do partido. A proposta partiu dos governadores que eram da Arena e do PDS, tinham perdido as eleições para o PMDB em 1982 e temiam as demissões de apadrinhados que mantinham no serviço público. O que temos que negociar hoje com os servidores públicos é a dignidade no trabalho, a valorização da carreira, profissionalismo, melhoria salarial, sem comprometer a questão econômica no País, e discutir com eles uma previdência justa.

ISTOÉ – Que tipo de preocupação o PT tem com a atuação do MST, onde existem muitos militantes do PT e de outros movimentos sociais?
José Genoino

Os principais dirigentes do MST não exercem cargo de direção no PT. Alguns são filiados. Além disso, o MST é um movimento autônomo, desligado do PT. Respeitamos os sem-terra, mas eles não são “correia de transmissão” do PT nem ditam normas para o PT. Nosso governo vai negociar com o MST porque queremos um movimento social autônomo e já demonstramos isto. Estes movimentos sociais têm que ser fortes, não podem se transformar em pelegos do governo, e nem queremos isto.