A aposentadoria de dom Serafim Fernandes de Araújo, cardeal de Belo Horizonte, o posto máximo
da Igreja Católica em Minas
Gerais, está agitando as rodas acadêmicas na capital mineira.
O problema não está exatamente
na sucessão eclesiástica, mas no controle dos rentáveis negócios
da Cúria Metropolitana.

A Igreja em Belo Horizonte administra, através da Sociedade Mineira de Cultura (SMC), várias instituições de ensino, como a Pontifícia Universidade Católica (PUC). Dom Serafim, aos 78 anos,
já renunciou ao arcebispado. Pelo regimento canônico, ao completar
75 anos o titular é obrigado a deixar o posto da Arquidiocese e, em
seu lugar, o papa nomeará um novo bispo para assumir suas funções.
O cardeal agora aguarda sua substituição. Temeroso de que sua aposentadoria signifique a imediata perda de poderes sobre os negócios mantidos pela Igreja, dom Serafim fez, em outubro passado, uma
jogada de mestre: alterou o documento, em comunhão com os conselheiros da SMC, garantindo sua permanência no cargo por
mais três anos, podendo ainda ser reeleito.

Como se não bastasse, no primeiro dia deste ano, durante as férias escolares, dom Serafim – que ocupa o cargo de grão-chanceler da
PUC – colocou seu próprio irmão, o dentista e técnico de futsal Eustáquio Araújo – o Tacão – na vice-reitoria. A função até então era exercida
pelo decano Caio Boschi, que está na PUC há 32 anos e tem o mandato previsto para terminar em janeiro de 2004, conforme o documento 013/2001. A posse de Eustáquio cassa o título de decano e os direitos
já adquiridos por Boschi, definidos em resolução assinada pelo padre Geraldo Magela, atual reitor da PUC. “A arbitrariedade nos causou indignação porque Eustáquio só tem reconhecimento internacional por suas incursões em quadras esportivas”, desabafa um pró-reitor, que prefere não se identificar. E completa: “Dom Serafim quer transformar
os negócios da Igreja numa empresa familiar.”

Poder de fogo – Nos corredores e salas da universidade, o silêncio de professores e funcionários lembra a hora do ofertório, quando os fiéis se calam para refletir. “O medo da perseguição dentro das instituições nos deixou em polvorosa”, diz um professor. Mas os universitários estão dispostos a fazer barulho. “Nós fomos passados para trás de forma covarde durante as férias. É uma perda ficar sem o Caio, uma pessoa séria, defensor da democracia, que tem ótima relação com os universitários”, protesta Gustavo Costa, presidente do Diretório-Geral dos Estudantes da PUC, que está organizando uma assembléia nesta semana para decidir que medidas tomar contra as mudanças acadêmicas.

Não é de hoje que os mineiros conhecem o poder de fogo de dom Serafim e o quanto o cardeal de Belo Horizonte é caridoso, principalmente com seus próprios parentes. Em novembro de 2001, a SMC teve de alienar um apartamento de R$ 250 mil na capital mineira porque o imóvel, comprado com verba da entidade, estava sendo utilizado por uma irmã de dom Serafim. Quando o fato tornou-se público, a PUC correu o risco de perder a filantropia, que garante à universidade isenção de uma série de impostos. O nepotismo é fato mais do que conhecido: sete parentes da família Araújo pertencem ao quadro de funcionários da universidade. Mas dos dez irmãos de dom Serafim, provavelmente o preferido é mesmo Tacão. Seu consultório dentário funciona dentro do prédio do Instituto de Educação Continuada (IEC) da PUC, vizinho ao prédio onde funciona a SMC e a Cúria Metropolitana. No mês de fevereiro, justamente quando Eustáquio volta dos Estados Unidos para assumir a vice-reitoria da PUC,
o consultório vai mudar para outro endereço.

Menina dos olhos – Por meio de sua porta-
voz Graziela, dom Serafim admite que houve
a tal mudança no estatuto. A justificativa: garantir uma transição tranquila quando ele
deixar o arcebispado. “Precisamos evitar traumas durante as mudanças para não haver nenhuma perda de qualidade. A PUC é a menina dos
olhos de dom Serafim. A universidade cresceu muito com ele.” Graziela garante ainda que as mudanças foram propostas pelos conselheiros
da SMC, e não pelo cardeal. Outro argumento defendido por dom Serafim é que sua intenção
é poupar o novo arcebispo de tanto trabalho.
“A Arquidiocese administra cinco milhões de
fiéis, a universidade e várias empresas.” Este estatuto novo ainda não foi registrado em
cartório e, segundo a porta-voz do cardeal, deve ser discutido novamente pelos conselheiros. Ao que tudo indica, este imbróglio
entre Igreja e academia não deve terminar tão cedo.