A inda em luto pela morte de
seu velho presidente e patriarca, Giovanni Agnelli, o grupo italiano
Fiat luta contra uma grave crise financeira que poderá levá-lo
para as mãos da americana
General Motors, que já detém
20% da companhia e a opção
de compra dos restantes 80%
em 2004. Nos Estados Unidos,
a WorldCom, que já foi a segunda maior operadora de telefonia
do país, está em apuros que desonram a supremacia americana: concordata decretada desde o ano passado, dívida astronômica de
US$ 30 bilhões e acusações de fraude no balanço feito pelo seu ex-presidente e fundador, Bernie Ebbers.

O curioso nesta história de derrocada é que do lado de baixo do Equador as duas empresas que fazem parte desses grandes grupos do mundo dos negócios atravessam a tormenta como se nada estivesse acontecendo na matriz. A subsidiária brasileira da Fiat vive dias de glória. Líder pelo segundo ano consecutivo no mercado de automóveis e comerciais leves, com mais de 27% das vendas, a subsidiária brasileira, Fiat do Brasil, já representa 10% do faturamento mundial da companhia ou pouco mais de US$ 5 bilhões. Enquanto isso, a controlada no Brasil da WorldCom, a Embratel, começa a se desvencilhar dos problemas e a melhorar sua operação sem nenhuma ajuda da matriz. A dívida de US$ 1,3 bilhão –
US$ 790 milhões vencendo este ano – a empresa garante que já está praticamente acertada com seus credores. O plano é de refinanciar os valores, estendendo os prazos de vencimento e trocando a garantia da WorldCom pela da própria Embratel. “Estamos muito perto do fim. A maioria dos credores aceitou nossa proposta”, disse, na quinta-feira 30,
a vice-presidente de Serviços Locais e Assuntos Externos da empresa, Purificación Carpinteyro, durante o lançamento do serviço de telefonia local para o mercado corporativo em São Paulo. Suas perspectivas são boas, apesar do receio que persiste em alguns análistas. “Não recomendamos nem a compra nem a venda neste momento”, diz Tatiana Pereira, analista de investimentos da corretora Coinvalores. A Embratel tem pontos positivos que poderão mudar sua posição nos próximos meses, como a própria renegociação de sua dívida e sua entrada no mercado de telefonia local corporativa, um setor do qual a companhia está fora e que movimenta cerca de R$ 6 bilhões por ano. É uma espécie de filé mignon para as operadoras, que reúne as dez mil maiores empresas do País que possuem PABX com capacidade para pelo menos 30 linhas. “Nossa meta é ganhar 35% desse mercado”, diz Purificación.

Enquanto a WorldCom se debate em meio a denúncias de manipulação de balanço e desvio de dinheiro, a Embratel –que terá de ficar sob o controle da empresa americana até julho, segundo as regras da Anatel, a agência que comanda o setor de telecomunicações – percorre um caminho de sensível melhora operacional desde o terceiro trimestre do ano passado para superar a desvalorização de suas ações, superior a 60% nos últimos 12 meses, o elevado custo de uso da rede das outras operadoras e uma grande inadimplência, que beira os 9% do faturamento bruto. Com todos esses defeitos, a empresa, numa hipótese provável de ruptura com sua controladora concordatária, teria vários pretendentes batendo às suas portas. Recentemente, Telefónica, Brasil Telecom, Telemar, suas principais concorrentes no Brasil, ensaiaram a criação de um fundo de investimento para adquirir a empresa – que rejeitou a possibilidade, desconfiada das verdadeiras intenções do assédio.

Ao contrário da Embratel, que quer distância de sua matriz, a Fiat brasileira desbancou 42 anos de liderança da rival Volkswagem e garantiu, graças aos bons resultados, uma fatia maior nos investimentos projetados para o Brasil pelo grupo italiano nos próximos anos: vão passar de R$ 700 milhões, em média, por ano, para US$ 900 milhões. De onde a matriz vai tirar esse dinheiro? Boa parte daqui mesmo, para lançar 16 produtos neste ano, desde um novo motor até a introdução de um novo carro. O projeto mais ousado, porém, será a montagem de um centro de desenvolvimento de produto, uma espécie de laboratório de designer onde os brasileiros terão condições de criar e experimentar em larga escala protótipos de produtos made in Brasil. Morreu Agnelli, os executivos da montadora preferem não se pronunciar sobre os efeitos da crise da matriz sobre a subsidiária, mas a vida continua na subsidiária brasileira. De vento em popa. Além da fabricação de veículos, iniciada em 1976, em Betim (MG), que responde por mais de 60% do negócios no País, a Fiat possui no Brasil empresas de tratores e máquinas agrícolas, serviços, peças e componentes para automóveis.

GLAMOUR E PODER

A morte de Giovanni Agnelli, aos 81 anos, na sexta-feira 24, marca o fim de uma era para o capitalismo familiar europeu. E uma trágica coincidência: nos últimos meses, a doença (câncer na próstata) agravou-se tanto quanto a situação financeira da Fiat. Com sua morte, o mercado acredita que ficará mais fácil a venda da Fiat Auto, a maior unidade do conglomerado e também responsável por grande parte dos prejuízos. Dono de uma vida singular, repleta de festas, mulheres bonitas e viagens pelo mundo, Agnelli conheceu o trabalho em 1966, quando já tinha completado 45 anos e foi levado
ao comando da montadora por seu avô – Giovanni, como ele.

Mesmo com pouca experiência, soube administrar a Fiat, levando
-a para o mercado internacional e transformando-a numa marca glamourosa. Com o dinheiro que entrava da venda dos carros,
Agnelli construiu um variado conglomerado de empresas que incluía jornais, seguradoras, comida e produtos têxteis. Os investimentos
da família também passam pelos hotéis Club Med, o time de
futebol Juventus, sua paixão, os vinhos Chateau Margaux
e a telefônica Distacon, em Hong Kong.
A família, com cerca de 150 membros, estava presente em todos os negócios, mas o comando, a última palavra, sempre era dele.