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Ao acompanhar um evento como o Pan, o jornalista ganha muito – estou, claro, me referindo à experiência –, mas perde algumas coisas essenciais. O domingo é uma delas. Enquanto escrevo, cerca de 200 profissionais espalham-se pelo Centro de Imprensa, duelando com seus laptops, descarregando fardos sobre-humanos de equipamento fotográfico, gravando boletins de rádio em voz alta – quando alta demais, aplaudimos com entusiasmo – ou tentando entender o que se passa nos televisores distribuídos pelo local.

Todos vivem um domingo sem macarronada e maionese. Sem lavar o carro ou o cachorro. Sem Silvio Santos nem “Fantástico”. Pela ordem, essas delícias dominicais são substituídas por um bufê insosso e a (elevado) preço fixo, pela lavagem das roupas de baixo sob o chuveiro (quase todo mundo passa pelo menos três semanas por aqui) e pela visão atenta do sobe e desce das petecas de badminton, dos chutes na cara do taekwondo e das meninas fazendo peripécias com bambolês.

Só uma característica dominical permanece intacta: o futebol. Graças aos sites de streaming de procedência duvidosíssima, parte do Centro de Imprensa parou para ver a rodada do Brasileiro. E o canto em que estávamos se converteu numa arquibancada, com direito a palavrões, provocações e aquelas velhas e más piadas sobre o problema hormonal dos são-paulinos, o problema de QI dos lusos e os pobrema de você sabe quem. Terminados os jogos das 16h, poucos por aqui ficaram felizes com a vitória do Corinthians sobre o Cruzeiro.

Hora de voltar ao trabalho. E correr para ficar a par do monte de resultados que rolaram enquanto nós, boleiros crônicos, nos acotovelávamos diante dos poucos PCs que transmitiam o futebol sem imagens gaguejadas.

Ah, antes de mudar de assunto, mais uma história sobre o Centro de Prensa. Diferentemente de outras competições gigantescas, o Pan de Guadalajara é dominado pela TV Record e pelo portal Terra. Tá, e o que isso significa? Significa que os profissionais da Globo (e seus filhotes) têm de se acomodar aqui no navio negreiro com a gente. Ao ver isso, o filme “Trocando as Bolas”, com o Eddie Murphy, não sai da minha cabeça.

Volto a falar de trabalho. Cumprimos hoje pela manhã o roteiro que havíamos planejado. Chegamos à Vila Pan-Americana pouco antes das 9h30. Estaríamos no horário caso não tivéssemos de mais uma vez ter de usar a lábia para furar o bloqueio de los federales. Isso já tá dando no saco. Se eles não tivessem um M16 pendurado no ombro, iria dizer poucas e boas.

A cerca de 300 metros da porta da Vila, você tem de xavecar o primeiro federal – que usava um capuz, o que tornava a situação ainda mais sinistra. Fala daqui, escuta de lá, e o homem nos libera, sempre dizendo que será a última vez. Cerca de 200 metros depois, uma outra policial – lindíssima e jovem, diga-se – nos para e refaz o roteiro de perguntas óbvias. Ela não consegue esconder o sorrisinho simpático ao ouvir que somos brasileiros e nos libera. Aí, chegamos ao estacionamento, também policiado por federales. Não podia entrar, mas entramos. Já a pé, é hora de enfrentar o detetor de metal. Quando lá chegamos, fomos orientados a voltar para uma tenda, cerca de 200 metros atrás de onde estávamos, para pegar o passe de um dia. Pegamos, voltamos e, finalmente, entramos. (Se você conseguiu ler este parágrafo inteiro, ou é da minha família, ou encara sem problemas o “Ulysses”, do Joyce.)

Tanto empenho valeu a pena. O nosso fotografado posou com a naturalidade de um modelo tarimbado. E o João Castellano arrebentou no domínio da luz, direção e captação das imagens. O resultado você vê na ISTOÉ Gente desta semana.

Apesar de estarmos aqui no centro em que tudo acontece, ainda não vimos nenhuma competição ao vivo. Por conta disso, a emoção nos domina neste momento, pois daqui a pouco saímos para assistir a algumas finais da natação. Na verdade, eu nem deveria estar tão animado, pois irei reencontrar aqueles corpos de três colunas atrás.

Ah, e para você que acompanha diariamente as nossas aventuras pelo Pan, informo que acordei com um humor quase tão bom quanto o do meu parceiro e fotógrafo. Percorremos a meia hora que separa o hotel da Vila do Pan compondo mais musiquinhas sobre o povo da redação.