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Passados três dias de nossa estada em Guadalajara, ganhou corpo a primeira regra de convivência civilizada na nossa dupla: o fotógrafo e parceiro João Castellano elegeu-se o nosso motorista. No começo, até pensei em brigar pelo prazer de dirigir, mas desisti. Primeiro porque, modéstia às favas, eu tenho mais habilidade com mapas. Segundo porque rodamos a bordo de um campactíssimo Hyundai Atos. Um carro desse porte desperta em sujeitos com o meu tamanho uma espécie de solidariedade com os hot dogs prensados.

Além de acanhado e desprovido de apelo, o veículo não tem direção hidráulica e, pior, não comporta um rádio em seu painel. Quando estamos entregues ao desconforto dele, tudo o que resta é a voz e as ideias um do outro. Na maior parte do tempo, os diálogos se resumem a frases do tipo “fica à direita que nós vamos entrar”, “tenho o hábito de buzinar por causa da moto”, “você não vai comer salgadinho enquanto dirige, né?” e “me deixa que eu sei o que to fazendo”. Quando não estamos falando coisas assim, passamos a compor musiquinhas inspiradas no pessoal da redação.

Entre discussões sobre como enfrentar o tráfego e composições bobinhas, chegamos ao Centro de Imprensa ontem, dia em que, afinal, ocorreria a abertura dos Jogos. Dividimos a van que nos levou ao Estádio Omnilife com uma profissional do Terra e duas coleguinhas jornalistas. Por conta da correria, tivemos de pular o almoço, e não havia nenhum cream crackerzinho redentor a bordo do carro. E, fora os tremoços do Canindé, nunca gostei de comida de estádio. Quando a fome atingia níveis preocupantes, fomos salvos pela nossa cara de pau.

Depois de passar pelo detector de metais e já na área colada ao monumental Omnilife – onde posamos para a foto abaixo; atenção trainees: essa imagem é obrigatória entre jornalistas que participam de coberturas internacionais –, apareceu uma tenda gigantesca. Do lado de fora, além de um batalhão de “federales”, conseguimos divisar uns camarõezinhos pendendo de copos de coquetel. Havia uma grade entre nós e os camarões, mas o responsável pelo controle de acesso viu nossa credencial e liberou a entrada.

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Era uma festa pra lá de chique. As mulheres estavam maquiadas duas demãos acima do recomendável. Homens com gel seguravam drinques e discutiam sobre cavalos, carros, política. Algumas modeletes passavam provocando torcicolos. Havia ainda várias torres de comida e de bebida. Enfim, tudo nos trinques. Só faltou o Amaury Jr. Ao dar pela falta dele, fiquei cantarolando mentalmente “keep it comin’ love, keep it comin’ love”, enquanto me fartava com os crustáceos, os espetinhos de tomate com queijo e os doces. Caso a tenda chique não estivesse ali, teríamos de optar pela lanchonete abaixo, já no interior do estádio. Mas o nome do estabelecimento me deixou temeroso quanto ao asseio de seus produtos.

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Ao entrar no Omnilife, duas felicidades. A primeira é poder comprar cerveja no estádio. Os copos têm dois tamanhos: sencillo (comporta uma latinha) ou doble. Neste último, há marcações que incentivam o bebedor a chegar até o fim do copo: iniciante, profissional, craque, fenômeno e ídolo. A segunda felicidade foi encontrar o mestre Oscar e dar nele um abraço guardado desde o Pan de 87 em Indianápolis, quando ele comandou a vitória do basquete brasileiro sobre o americano. Naquela final, ele chorou. Ontem foi a minha vez. Parte por conta do encontro com o maior jogador de basquete brasileiro, parte por conta da tocante, belíssima e latina até a medula cerimônia de abertura.

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Eu e o Castellano – que fez fotos espetaculares como a que está no alto desta coluna – voltamos animados para a van. Pensávamos que aquele era um estado de espírito comum. Contamos piadas, compusemos musiquinhas, fizemos brincadeiras e rimos muito. As moças não nos acompanharam. Entendemos a mensagem. E ficamos quietinhos até o final do trajeto de volta.