O discurso agressivo é uma marca registrada de Ciro Gomes, candidato do PPS à Presidência. É também uma bem-sucedida estratégia, montada desde sua candidatura a deputado estadual no Ceará em 1982, aos 24 anos. Se a contundência com que cobra ética e denuncia improbidades lhe rende votos, a idéia fixa com a imagem de honesto, quase uma paranóia, chega a acuar os financiadores de campanhas eleitorais. Em quinto lugar, Ciro percorre o País em ritmo quase mambembe, se comparado à estrutura de seus principais adversários. É o preço por rejeitar doações ilegais e se apresentar como a antítese da imagem tradicional do político suspeito, que acaba de ser reforçada pelas cores policiais do início deste ano eleitoral.

Aos 44 anos, Ciro Gomes já foi duas vezes deputado estadual, prefeito aos 28 e governador aos 32. Foi ministro da Fazenda aos 36. É dono apenas de um apartamento financiado na Praia de Iracema, em Fortaleza, e de um carro Audi 1995. Vive exclusivamente de palestras. Cobra R$ 7 mil líquidos quando convidado por entidades ligadas a bancos e R$ 5 mil de “setores produtivos”, além dos 27,5% a mais para o Imposto de Renda, que ele desconta antecipadamente para pagar o carnê-leão, duas passagens e hospedagem. A vida seria bem mais confortável se ele não tivesse renunciado a três pensões vitalícias, como ex-deputado, ex-prefeito e ex-governador. Poderia estar recebendo R$ 21 mil mensais desde os 36 anos, quando renunciou ao governo para ocupar o Ministério da Fazenda de Itamar Franco.

Em oito anos, já teria recebido R$ 2 milhões, o preço de 3.100 passagens de ida e volta para o Rio de Janeiro, onde vive a atual mulher, a atriz Patrícia Pillar. “Não me arrependo. Tomei uma atitude, no começo da vida pública, de agressividade em relação a esses problemas. O que o eleitor diria se eu recebesse R$ 21 mil desde os 36 anos sem fazer nada?”, argumenta. Na guerra de denúncias e escândalos que desenham as eleições deste ano, é com esse passe livre que Ciro Gomes lubrifica sua metralhadora giratória.

Preocupado em não ter rabo preso, Ciro abriu mão de três pensões

Os disparos começaram. Ciro tem elogiado a investigação sobre as irregularidades na Sudam, que destroçaram a candidatura de Roseana Sarney, mas cobra coerência do governo, lembrando que a fraude da Sudam tirou R$ 1,6 bilhão dos cofres públicos. “A Sudam não é uma repartição de Marte ou da Lua, é do governo federal, que a entregou ao senhor Jader Barbalho”, atira Ciro. “Todo mundo sempre soube quem é Jader, para o bem ou para o mal. Um superintendente nomeado por ele foi demitido por corrupção e mesmo assim o governo deu ao senhor Jader a faculdade de indicar o sucessor e o PSDB inteiro ainda votou nele para presidir o Congresso.” Segundo Ciro, “o governo fechou os olhos para a corrupção e agora as investigações, que correm em segredo de Justiça, são divulgadas à conveniência das eleições”.

Ciro diz não ter elementos para atribuir ao PSDB o vazamento das informações que derrubaram Roseana. “Mas, quanto à turma do Serra, eu não tenho a menor dúvida. Conheço o Serra há muitos anos. É o estilo dele botar outras pessoas fazendo as coisas, ligar para jornal, passar notinhas, criar futricas. Passa o dia telefonando para os jornais, pedindo cabeça de jornalista, reclamando de notinhas”, critica o ex-ministro.

Às especulações de que poderia receber o apoio do PFL, Ciro reage com contundência, classificando-as como “armação” do governo. Mas para quem tem só três pequenos partidos (PPS, PDT e PTB), o apoio de um legenda gigante como o PFL não seria de bom-grado? “Não sou idiota para responder isso. Não vou fazer como o Lula, que foi cabalar o PL sem nenhum acerto e ficou com o ônus inteiro, sem a aliança. É coisa de inocente, que não sabe nada de política.”

“Não sou idiota” – As referências negativas a Lula não param por aí. “Não sei quem vai ganhar, mas Lula já perdeu. Ele é 100% conhecido, preferido por uma fração declinante e rejeitado pelo resto”, analisa. Para Ciro, Lula pode não ir ao segundo turno. O ex-ministro não fala em tom jocoso quando se refere à aposentadoria de anistiado político que Lula recebe do INSS, em torno de modestos R$ 3 mil. Mas adora falar do assunto. E concluir: “Eu não receberia.” Gosta também de lembrar a aposentadoria com vencimentos integrais de Fernando Henrique como professor da USP.

É claro que, como qualquer candidato, Ciro não está livre de ataques. Equívocos no Ceará ou no Ministério da Fazenda e lances de incoerências ideológicas estão na mira. Certamente terá de engolir antigas críticas contundentes do ex-governador Leonel Brizola, que agora o apóia. Mas é pouco provável que os ataques a Ciro tenham cores de denúncias éticas. Ele já proibiu a direção de sua tríplice aliança de receber qualquer centavo sem passar pelos trâmites legais. Nas eleições de 1998 para presidente, quando recebeu cerca de dez milhões de votos, ele próprio coordenou a captação de recursos. Para este ano a missão será de um comitê financeiro, mas as condições não serão alteradas. “Isso é um inferno, os caras fazem muita pressão, mas não vamos receber nada que não seja formal.