Não há mariachis nem señoritas com figurino de lata de azeite à espera do turista no aeroporto de Guadalajara. Há, sim, um excesso de bigodes. E esse é um dos poucos indícios de que o voo da American Eagle aterrissou no lugar certo.

O policial da Receita banca o durão. “Periodista brasileño, hein?” E resolve perguntar se tenho equipamentos como laptop, gravador ou câmera fotográfica na mala. Claro que si! E ele pergunta: “Onde está la lista de los equipos?”, ou algo próximo disso. Fui polido ao responder que tudo era “hecho en Brazil”. E ele insistindo na lista. Depois, fingiu que saiu com a minha declaração e voltou segundos depois dizendo que estava liberado.

Mais do que um policial sem a mínima noção das suas tarefas, o episódio revela um traço, depois descobre-se, recorrente em uma cidade latina que é alçada à condição de capital olímpica da América. A legislação existe e, a princípio, deve ser respeitada. Mas sempre há margem para jeitinhos e acomodações (se você aguentar ler o texto até o final, conto outro caso).

No caminho entre o aeroporto e o hotel, o México de verdade começa a desabrochar. Mariachis nas ruas, construções com a mesma técnica do Alamo de San Antonio (dá uma googlada aí) e prostitutas com conversas e blusas curtas e sensuais, revelando barriguinhas deliciosamente umedecidas pela chuva inclemente que castiga Guadalajara desde que aqui pisamos.

Não havia muito tempo para curtir o hotel (nem havia muita razão pra isso). Era necessário abrir malas, tomar banho, comer alguma coisa e correr atrás de credenciais, fontes, pautas.

Na frente do hotel tem um McDonald’s. Somando a pressa com a vontade de comer, achamos – eu o fotógrafo João Castellano, meu parceiro nesta jornada – uma boa almoçar ali. O quarto de libra deles é tão insosso quanto o nosso quarteirão, mas eles têm sachês de jalapeño em pasta. E isso salva até sushi de rodízio gaúcho.

Ainda com a boca formigando, vamos buscar as credenciais. Aí surge outro problema: ainda não inventaram as linhas paralelas em Guadalajara. Por vezes, as ruas revelam traços parisienses e se encontram em rotatórias grandiosas, algumas com monumentos ou fontes. Em outras, lembram os labirintos de Mumbai. Resultado: pedíamos informações e com frequência éramos mandados para pontos mais distantes daqueles para o qual nos dirigíamos.

Mas, mesmo contra o mapa e os moradores de Guadalajara, conseguimos chegar ao imponente Expo Guadalajara. Nossas credenciais estavam do outro lado da rua, num local que lembrava uma sala de espera do SUS em dia de epidemia. A credencial do João ficou pronta uma hora depois. A minha, haviam perdido.

Como assim? As meninas, simpaticíssimas, passaram um tempão consultando daqui, telefonando de lá, cochichando acolá. Quase duas horas depois, o veredito: “Señor, no hay mas nada que posso hacer”. Ficar desesperado em outra língua é uma experiência e tanto. Mas, apesar dos erros do meu portunhol ruim, consegui encontrar um e-mail salvador e, uma hora mais, estava carregando a minha credencial como se fosse a primeira medalha brasileira do Pan.

Calma, esse não é o outro caso de jeitinho. Ele começa agora.

Como perdemos o dia atrás das credenciais, a noite chegou e não havia mais o que fazer. Resolvemos ir a um bar típico e aproveitar para ver México x Brasil entre os locais. Rodando pela região do Expo, nos deparamos com um de que gostamos, o Zapotlán. Todo ajardinado do lado de fora. Gente bonita e jovem do lado de dentro. E, principal, o jogo da seleção rolando.

Paramos o carro ao lado de vários outros na porta do bar, entramos e, depois de algum tempo de braço erguido, fizemos nosso pedido. O clima era de festa. Afinal, o México vencia por 1 a 0. Mas aí veio o segundo tempo e, com ele, a virada. E aí tivemos um exemplo ao vivo do poder anestésico da tequila. Logo depois do jogo, dava para conversar sem gritar no Zapotlán, mas, passados 15 minutos, a balbúrdia estava de volta.

(Uma coisa não pode deixar de ser dita a respeito desse bar. Seu cardápio só traz bebidas. Em letras pequenas, ele avisa: “A partir de 100 pesos por pessoa, a comida é grátis”. Na noite de terça, a comida era pepino fatiado e temperado com limão e sal e um salgadinho que lembra Mandiopã, embora seja feito de milho. E assim chegamos ao título desta coluna.)

Saímos, nós e os mexicanos, felizes. Felicidade que durou bem pouco. Do lado de fora, um guincho carregava um carro que estava dois atrás do nosso. Por trás do seu bigode, o policial que comandava a operação parecia irredutível. Chamou-nos para uma conversa. E foi a hora de o João Castellano usar seu castelhano para brilhar. Com a pérola “juro por mi mama que non queremos desrespeitar su país”, o guarda se curvou e nos livrou da multa.   

Passado o susto (o primeiro de uma série), deu para dormir tranquilo e recuperar parte dos estragos provocados por 12 horas de voo e mais quatro à espera de conexão.