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A economista Lindiana Ribeiro sempre batalhou por seus objetivos. Nascida em uma família de poucos recursos, desdobrou-se para fazer três faculdades e crescer profissionalmente. Graças a uma pesada rotina de trabalho, que mesclava carga horária elevada com viagens constantes, comprou u

ma casa própria em um bairro de classe média de São Paulo, onde vivia confortavel mente, até que, aos 39 anos, o relógio biológico soou. "Quero engravidar", disse com todas as letras ao namorado.

Eles se casaram e o marido, que tinha três filhos de outra relação, logo tentou demovê-la da ideia. "Ele dizia que filho estraga a vida da mulher, pois todas engordam, enfeiam e ficam desempregadas", conta Lindiana. Firme em sua decisão de perseguir a maternidade, terminou o casamento, recorreu a um banco de sêmen e engravidou de um doador anônimo. Hoje, aos 47 anos, mãe de um menino de 4, ela não está mais feia nem mais gorda. Porém, um ano depois de seu filho nascer, perdeu o emprego e não conseguiu se recolocar. Vendeu o que tinha, mora em uma casa simples na periferia e vive de bicos. Mesmo assim, diz com convicção: "Sou uma mulher realizada."

Lindiana não é a única a querer ser mãe a qualquer custo. Quando o assunto são filhos, as mulheres estão mais do que nunca senhoras de seu destino. Com os avanços médicos, têm obtido poder sobre a hora de tê-los e sobre como tê-los. "Elas nunca tiveram tanto controle sobre a maternidade", diz a psicóloga Rosa Maria Macedo. É mais um degrau nas conquistas femininas em relação ao próprio corpo. Na década de 60, a pílula anticoncepcional permitiu a programação da gravidez. Desde os anos 70, o aborto sem restrições vem se tornando legal em diversos países, dando a elas o direito de decidir se querem ou não gerar aquela vida. Agora, as técnicas de congelamento de óvulos e sêmen permitem a prolongação da fertilidade e à mulher sem parceiro ter um bebê.

Dentre as possibilidades, a decisão mais radical é recorrer a um banco de sêmen, pois a futura mãe escolhe prescindir do pai, uma vez que jamais saberá sua identidade. É diferente da antiga produção independente, que gerava um bebê de um encontro casual. Ao buscar um doador anônimo, o processo é solitário do início ao fim. Essa alternativa está se popularizando entre as mulheres que desistiram de esperar o parceiro ideal para ser mães. E a tendência é mundial.

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"Há três anos, 80% de nossos clientes eram casais heterossexuais, 10% homossexuais e 10% solteiras", diz Ole Shou, dono do Cryos, o maior banco de sêmen do mundo. "Hoje, as solteiras são 40%." Desde 1991, o Cryos contribuiu para mais de 13 mil gestações, disponibilizando sêmen para mais de 60 países – até para o Brasil. Aqui, a realidade se repete. No Pro-Seed, de São Paulo, o maior e mais antigo banco do País, as solteiras representam 20% da demanda.

 

"Nos últimos cinco anos, a procura por sêmen por parte de mulheres sozinhas cresceu 60%", diz Vera Fehér Brand, diretora do banco, que colaborou para o nascimento de mais de 900 crianças desde 1993.

Na opinião de Édson Borges, diretor da clínica de reprodução assistida Fertility, este crescimento está relacionado ao maior conhecimento das técnicas e à diminuição do tabu. "Há cinco anos, as solteiras chegavam sozinhas, falando baixinho e pedindo segredo", diz ele.

"Hoje estão mais confiantes, vêm acompanhadas da mãe, da irmã ou de uma amiga. Até a postura física delas é diferente." Essas mulheres têm o mesmo perfil: mais de 30 anos, bem-sucedidas profissionalmente e sem perspectiva de encontrar um pai para seus filhos. No banco de sêmen, a futura mãe tem acesso a informações biológicas do doador – como cor de olhos, cabelos, altura e peso – e a outras mais pessoais, como profissão e religião. No Brasil, não há legislação específica sobre o assunto, segue-se recomendação do Conselho Federal de Medicina. Sêmen, óvulo e embrião não podem ser comprados nem vendidos e a doação é sempre anônima. Em qualquer tipo de tratamento de reprodução, pagam-se apenas os procedimentos – no caso de fertilização de óvulo com sêmen congelado o gasto varia, mas raramente sai por menos de R$ 10 mil.

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O medo do preconceito é um fantasma que assombra essas mulheres. A educadora carioca I.D.S. sofre ao pensar no futuro. Ela sempre quis ser mãe, mas, aos 38 anos, descobriu que não ovulava e não teria condições de engravidar naturalmente. Solteira, tentou adotar uma criança, mas não conseguiu.

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Diante disso, partiu para uma solução extrema: engravidou de óvulo e sêmen doados e, aos 41 anos, deu à luz gêmeas, hoje com 3 anos. No local de trabalho de I.D.S, ninguém sabe como as meninas foram geradas. Na escola das crianças, as professoras conhecem a história. "Eu e minhas filhas sentimos na pele o preconceito, sempre velado", relata. "Já expliquei a situação para as mães de algumas coleguinhas delas, que mudaram comigo." Ainda assim, I.D.S. pretende contar tudo às meninas quando elas tiverem condições de entender.

"Se elas se voltarem contra mim, vou pagar esse preço", diz ela. "Mas torço para que cresçam com uma cabeça boa." Manter essas histórias em segredo ajuda a perpetuar o tabu. "E essas crianças terão mais dificuldade de se aceitar e de ser aceitas", alerta a psicóloga Rosa Maria Macedo, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

É justo trazer ao mundo uma criança que nunca saberá sua origem em nome da realização de um sonho? A psicóloga Magdalena Ramos diz que ainda é muito cedo para falar sobre eventuais implicações desses novos arranjos familiares.

"O ideal é a criança crescer com a referência do pai e da mãe", afirma. "Mas isso nem sempre acontece. Por isso, me arrisco a dizer que o mais importante é que sejam amadas." Para a historiadora Mary Del Priore, é um sinal dos tempos.

"A família não desaparece, apenas se renova", diz ela.

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O congelamento de óvulos é o primeiro passo para a mulher que quer driblar o relógio biológico e tentar garantir uma gravidez futura. Embora seja mais recente, é mais aceito pela sociedade que o uso de sêmen de doador. Nas clínicas de reprodução assistida no mundo é o grande hit do momento – especialmente depois que a atriz americana Jennifer Aniston, 40 anos, declarou que havia congelado os seus no ano passado. "A prática está tão disseminada nos Estados Unidos que 40% das executivas americanas declararam que congelaram ou pensam em congelar seus óvulos para usar depois", diz Édson Borges, da clínica Fertility.

No Brasil, a procura também cresce. A clínica Huntington, a maior em reprodução assistida no País, realizou 60 congelamentos nos últimos dois anos de mulheres que querem preservar a jovialidade de seus óvulos para o momento que decidirem ser mães. Após os 35 anos, a ovulação é mais rara e os defeitos genéticos mais comuns, mas um útero sadio segura uma gravidez até na menopausa. "Há três anos, recebíamos uma mulher por mês na clínica com esse objetivo. Agora, vem uma por semana", diz o ginecologista Eduardo Motta, diretor da Huntington. Quem pretende recorrer à técnica precisa estar atenta: "Pesquisas revelam que a melhor idade para retirar óvulos para congelá-los é entre 30 anos e 35 anos", diz Maria Cecília Erthal, diretora médica do Centro de Fertilidade da Rede D’Or, no Rio de Janeiro. Com a técnica de vitrificação, a cada 20 descongelamentos, um resulta em gravidez. Ainda é cedo, porém, para saber quantos anos essas células, resfriadas a -190ºC, durarão sadias. O custo do tratamento – retirada, congelamento, descongelamento e fertilização in vitro e implantação de embrião – é de cerca de R$ 10 mil, além da anuidade de R$ 600 de uso do banco.

As mulheres que buscam a técnica pretendem engravidar, mas não sabem quando. A relações-públicas E.O., 39 anos, via com ansiedade o avanço do tempo e temia não conseguir engravidar mais tarde. No mês passado, congelou 26 óvulos. "Estou em paz com o meu relógio biológico", diz. Ela tem namorado e ele quer ser pai.

"O problema é que ainda não estou preparada. Minha agenda de trabalho é muito corrida", conta ela, que pretende se organizar para engravidar no ano que vem. A relações-públicas preferiu omitir do namorado o congelamento, pois teme que ele não queira levar adiante o projeto do bebê em 2010. Afinal, ela ainda prefere ter um filho à moda antiga.

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