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Ser indío no século XXI significa mais do que viver em aldeias, praticar atividades de subsistência e se comunicar por uma língua própria de sua etnia. Sejam provenientes de tribos isoladas ou dos grandes centros, os indígenas começam a firmar seu espaço na educação superior e no mercado de trabalho, graças a instituições que oferecem cursos de formação, vestibulares e até vagas de estágio só para eles.

"A opinião pública congelou a imagem do índio", afirma José Ribamar Bessa, coordenador do programa de Estudos dos Povos Indígenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "Autêntico é quem se aproxima da descrição de Pero Vaz de Caminha. Isso não se aplica mais." Desde 1988, quando a Constituição garantiu ao povo indígena o direito a uma educação diferenciada, surgiram universidades que oferecem cursos de formação de professores moldados para eles.

Em Mato Grosso, a Faculdade Indígena Intercultural formou 276 profissionais e estuda a criação de cursos de enfermagem e agronomia. Por enquanto, eles têm acesso a carreiras além da pedagógica pelo sistema de reserva de vagas, que existe em algumas faculdades, inclusive com vestibulares simplificados. Kellyn Mariano da Silva, 16 anos, estuda de manhã, trabalha numa agência da Caixa Econômica Federal à tarde e de noite retorna para a vida na aldeia Jaguapiru, próxima a Dourados, em Mato Grosso do Sul.

"Já não vivemos mais de nossa produção. Precisava contribuir para a renda da família", diz a índia guarani, em seu primeiro emprego. Ela participa do programa de estágio da empresa, que reserva 300 vagas a indígenas desde o fim do ano passado. Nem todo índio que procura a universidade, no entanto, quer entrar no mercado de trabalho tradicional.

Segundo o antropólogo Gustavo Menezes, coordenador de apoio pedagógico da Fundação Nacional do Índio (Funai), muitos procuram o ensino superior em áreas de conhecimento estratégico para a aldeia, como medicina, direito e agronomia. "O desafio maior será dessas primeiras gerações. Ainda buscamos uma educação indígena de mais qualidade e oportunidades para todos."

Índio da aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, Mutua Mehinaku, 28 anos, formou-se professor na Faculdade Indígena e hoje faz mestrado em antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele tenta documentar as línguas de seu povo. "Minha esposa não queria deixar, porque temos três crianças e alguém precisa caçar, pescar e fazer roça para elas viverem bem", diz ele, que planeja retornar e voltar a ser professor assim que o curso acabar.

Para Bessa, da Uerj, ainda é preciso pensar um modelo que valorize de fato o conhecimento indígena, em cursos, currículos, bibliotecas, laboratórios e salas de aula na universidade. "A questão maior é: o que ele vai fazer com a universidade e o que ela vai fazer por ele? Até agora, estamos descobrindo."

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