img.jpg
BOLSA-DITADURA
O cantor argumenta que o dinheiro não paga nem a acupuntura

Na semana passada, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça indenizou 21 pernambucanos perseguidos politicamente durante os anos de chumbo. Entre eles estava o cantor e compositor Geraldo Azevedo. Ele alegou que foi preso duas vezes e teve uma composição, “Canção da Despedida”, em parceria com Geraldo Vandré, censurada pelo regime militar. Embora a Lei da Anistia também ampare prejuízos pela produção intelectual, entre os quase 70 mil requerimentos que deram entrada até hoje são muito raros os casos em que se usou a censura como justificativa para a indenização. “Esse valor é simbólico. Não há dinheiro que pague a prisão, o sofrimento de quem passou pela humilhação”, diz Azevedo, que receberá uma única parcela de R$ 100 mil. O valor pode ser pequeno se comparado às indenizações bilionárias dos primeiros anos de aplicação da lei, mas abriu um precedente que pode ampliar o universo das reparações. E se todos os cantores e intérpretes que tiveram músicas censuradas durante os anos de chumbo resolverem requerer cada um a sua bolsa-ditadura?

Chico Buarque, por exemplo, foi o compositor e cantor mais censurado. Em 1966, a música “Tamandaré”, incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB4, foi proibida por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da Marinha. No início da década de 70, a composição de Chico “Vence na Vida Quem Diz Sim” teve a letra totalmente censurada, sendo gravada num de seus discos uma versão instrumental. Mesmo assim, o cantor, até hoje, nunca havia pensado em entrar no rol dos indenizados. O mesmo vale para Caetano Veloso, que em 1973 teve a sua canção “Deus e o Diabo” vetada por causa do último verso “Dos bofes do meu Brasil”. Geraldo Azevedo pensa diferente. Foi preso por 40 dias em 1969 e, mais tarde, em 1975, por mais 12 dias. Diz que foi espancado e ficou com sequelas que o obrigam a tratamento. “A indenização não daria para pagar sequer as sessões de acupuntura”, afirma. O secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, que também preside a Comissão de Anistia, explica que, no julgamento, a censura à obra de Geraldo pesou tanto quanto as prisões. Ele admite que, com o funcionamento da Comissão da Verdade, haverá uma nova leva de requerimentos.

Os casos de reparação econômica conquistados no Brasil chamam a atenção pelo custo ao erário e o volume de requerimentos já aprovados. Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União, o Tesouro Nacional já desembolsou R$ 3,019 bilhões entre 2003 e 2010 para indenizar perseguidos políticos. Deste valor, R$ 1,353 bilhão representa as prestações mensais vitalícias. Como há na fila mais de nove mil processos pendentes de julgamento, o rombo nas finanças públicas será ainda maior. “O quadro salta aos olhos e levanta dúvidas se o legislador efetivamente imaginava que a lei viesse a causar impacto de tal magnitude”, escreve o ministro Augusto Sherman, relator de um dos processos no TCU.  

g.jpg