O governo Lula toma um novo rumo, entre o México e a Índia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorna do México na quarta-feira 14 e volta a viajar no sábado 24, desta vez para a Índia. Neste intervalo o País conhecerá, enfim, a cara do novo Ministério, encerrando um longo período de especulações que tem angustiado os partidos e o próprio Planalto. “A reforma ministerial não será pequena nem grande. Será média, mas vai
mudar a cara e a ação do governo”, diz um interlocutor do presidente, tentando medir o tamanho da mexida que vai além da mera acomodação do PMDB no poder. Lula deve anunciar a entrega de duas pastas ao partido, a saída de três ministros e o remanejo de outros três, redistribuindo funções e responsabilidades em um governo que se esparrama por 33 ministérios.

Mais do que isso, o presidente deseja ampliar e redividir as atribuições políticas do chamado núcleo duro do Planalto – o ministro José Dirceu, da Casa Civil, e, em carga menor, os ministros Antônio Palocci (Fazenda), Luís Gushiken (Comunicação) e Luiz Dulci (Secretaria Geral). “O núcleo vai transbordar o Palácio e se instalar na Esplanada”, explica um amigo de Lula, antecipando o movimento que trará para o interior do governo os aliados que garantiram a aprovação das reformas previdenciária e tributária. Os líderes do PMDB e do PSB na Câmara dos Deputados, Eunício Oliveira (CE) e Eduardo Campos (PE), vão virar ministros sem perder a tintura parlamentar que dá cores vivas ao relacionamento do governo com o Congresso. A outra ponta do triângulo, o líder do governo na Câmara, Aldo Rebello (PCdoB), continua no posto para manter azeitada a máquina do plenário.

“Chamem a tropa, comecem as sondagens. Quero viajar no domingo (dia 11, para o México) com o quadro na cabeça”, ordenou Lula na tarde de terça-feira 6 aos assessores mais diretos. Horas antes, de manhã, Lula estava irritado. Chegou a esmurrar a mesa, indignado com os jornais que apresentavam nomes e prazos para a escolha dos ministros. “Tem gente falando demais aqui dentro. Ninguém está autorizado a falar em nomes. Nem eu sei quem vai sair ou ficar. Quando souber, vocês vão saber por mim. Não será nem pelo porta-voz. Será pela boca do presidente”, advertiu. E mandou o porta-voz, André Singer, ler uma nota em que condenava as “especulações” que atingiam amigos do peito. Um deles, Olívio Dutra, já estava demitido pelo noticiário do dia. Lula pegou o telefone e lhe deu um salvo-conduto: “Fique tranquilo, Olívio.
O Ministério das Cidades é estratégico e não sairá das mãos do PT.” Foi o que o presidente do PT, José Genoino, na mesma hora, dizia ao presidente da seção gaúcha do partido, David Stival, apreensivo com a reação das bases. “Começamos a organizar a reação dos sem-teto, dos sem-terra, dos movimentos sociais que não aceitam ver cair nas mãos do PMDB, em ano de eleições municipais, um ministério que trata diretamente com os prefeitos.” Mensagens com dez mil assinaturas desabaram no gabinete do ministro, reforçadas pela ameaça do PT gaúcho de haver manifestação de rua pró-Olívio.

Olívio sobreviveu e, com ele, caiu o nome do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), indicado como o suposto favorito do próprio Lula para a pasta de Olívio. “Garibaldi? Quem pensou nele para ser ministro?”, perguntava Lula, na explosão que antecedeu a nota contra “as especulações”. No entanto, Garibaldi não está fora do páreo.
Se entrar no Ministério, como quer Sarney, irá para a Integração Nacional. Se isso não acontecer, Eunício assume a pasta e a vaga
das Comunicações cai no colo do mineiro Hélio Costa. Na tarde de domingo 11, horas antes de viajar para o México, Lula e José Dirceu se reúnem, na casa do presidente do Senado, José Sarney (AP), com a cúpula do PMDB: o presidente do partido, Michel Temer (SP), e os líderes Renan Calheiros (AL) e Eunício Oliveira (CE). Depois de meses de idas e vindas, Lula finalmente anunciará suas escolhas. Uma já é certa: o deputado Eunício. Disputam a outra vaga os senadores Garibaldi Alves (RN) e Hélio Costa (MG). Embora prefira as Comunicações, Eunício pode suceder o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), que Lula pretende transferir para a Previdência, cujo atual ministro, Ricardo Berzoini, deve ser passado para a pasta que unificará a área social, especialmente os programas Bolsa-Família e Fome Zero. Ciro ainda resistia, na sexta-feira 9, preocupado em perder um projeto caro a qualquer nordestino: a transposição de águas do rio São Francisco.

Além de Benedita da Silva, que já não apita na Ação Social desde sua viagem a Buenos Aires, outro ministro que está com um pé fora da Esplanada é Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia. Foi esmagado
pelo presidente do PSB, Miguel Arraes, que emplacou em seu lugar o neto, o deputado Eduardo Campos, líder da bancada. Num ato de desespero, o ministro chamou Arraes a Brasília, na quarta-feira 7, e cometeu o desatino de anunciar a reunião no site oficial do Ministério, misturando política partidária com assuntos públicos. Seu colega das Comunicações, Miro Teixeira, foi mais ágil: xingado como “chaguista” por Leonel Brizola, desligou-se do PDT na quinta-feira 8. Vai aguardar, sem partido, sua nomeação para líder do governo no Congresso, se o amigo Lula não o chamar para o Planalto, reforçando a articulação política. Se não for mera especulação da imprensa, Lula pode anunciar o novo Ministério na quinta-feira 15.

2004 : ano promissor

A influente revista britânica The Economist prevê que 2004 será mais promissor para o governo Lula, a começar pela reforma ministerial. “Este ano pode trazer mais realismo e competência à sua administração”, afirma o artigo, publicado na edição de 30 de dezembro, ressaltando que o País deve crescer 4% este ano. Aplausos para a aprovação da reforma da Previdência, o “choque de credibilidade” do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que tranquilizou os mercados e manteve a estabilidade. Críticas para a confusão que reinou nas políticas sociais, como o Fome Zero. A grande questão é: “Pode o primeiro governo de esquerda do Brasil conseguir um crescimento sustentado capaz de gerar empregos?” O palpite da revista: “Os presságios do primeiro ano de Lula são encorajadores”. O artigo começa lembrando que o lema de Lula na campanha foi a mudança. Depois de listar todas as dificuldades enfrentadas pelo presidente, a revista termina constatando: “Até o apetite de Lula por mudanças tem os seus limites.”

Florência Costa