O livro dos peixes de William Gould – romance em 12 peixes (Companhia das Letras, 396 págs., R$ 44), do australiano nascido na Tasmânia Richard Flanagan, tem o mérito de, no mínimo, apresentar ao mundo a dureza de uma região mais conhecida como a terra do monstro dos desenhos animados. Tamanha injustiça, porque a trama sobre um pseudo-escritor-pintor inglês que relata a saga da ocupação da Tasmânia, antiga colônia penal britânica, através de associações esdrúxulas entre os personagens relatados e os peixes do mar é escrita no melhor estilo dos romances de aventura que fazem a tradição inglesa. Na prática, representa as grades intransponíveis para os infelizes desterrados.

Começa com a licença poética de um diário encontrado no fundo de um armário, esquecido sob a poeira de um suspeito brechó. A partir do misterioso diário, a história se recria e renasce encavalada, amalgamando presente e passado, criador e criatura, para contar as atribulações do preso William Gould, que nem William nem Gould se chama. Tudo ao longo da narrativa é duvidoso, impedindo o leitor de se afeiçoar a esse homem mentiroso e azarado, falsário e obcecado, que relata a maior parte de suas desditas do buraco imundo de uma cela cavada ao rés das marés.

É a descrição crua e descarada das imundícies das prisões do desterro – que, afinal, foram os fundamentos da Austrália – que faz do livro de Flanagan uma leitura intrigante. A ocultação da realidade cruel da rotina prisional da delicada e hipócrita sensibilidade da sociedade inglesa é a melhor parte do trabalho. Essa é a história real da colonização de um continente que, valha a homenagem, não se envergonha de suas origens. Caso honroso de um limão que virou uma excelente limonada.


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