Como muitas outras estrelas de primeira grandeza da música popular brasileira, Chico Buarque de Hollanda já foi homenageado com coletâneas, relançamentos e caixas temáticas. Mas como o baú das gravadoras parece não ter fim – e a avidez dos fãs também -, acaba de chegar às lojas do País um objeto de consumo para abonados e admiradores mais renitentes do cantor e compositor carioca. Aquele dos olhos "cor de ardósia", como algumas preferem definir o arauto do manifesto chique, das letras de amor selecionadas entre as mais belas da MPB e das composições de impacto de peças teatrais e trilhas sonoras de cinema. Ao preço sugerido de R$ 400, Construção cobre 20 anos da carreira de Chico, em 21 CDs e um CD-bônus. Dos três primeiros – todos lançados numa tempestuosa década de 60 pela extinta gravadora RGE – ao álbum com as canções do filme Ópera do malandro (1986), dirigido por Ruy Guerra e baseado na peça de mesmo nome.

Ouvir novamente Chico Buarque ou simplesmente conhecer sua obra em sequência é sempre um prazer que se repete diante das constantes descobertas contidas em cada letra. Não à toa, as tentativas de reerguer a qualidade e o sabor dos antigos festivais de música se mostraram insossas. Com um então time jovem formado por Chico, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou Edu Lobo, aqueles eventos entraram para a história não só pela obstinada platéia estudantil, mas por revelar talentos que se tornaram clássicos na maravilhosa, e também tortuosa, música produzida no Brasil. A Rita, Pedro pedreiro e Olê, olá, do volume 1 de estréia; Noite dos mascarados, Com açúcar, com afeto e Quem te viu, quem te vê, do volume 2; e Retrato em branco-e-preto, Carolina, Até pensei e Sem fantasia, do volume 3, são músicas que ainda guardam uma beleza singular.

Em meio às jóias românticas, destaca-se com menos intensidade – mas com grande contundência – a fase do artista político, driblando com humor a pesada e ignorante censura da ditadura. Só tardiamente se percebeu que um tal de Julinho da Adelaide era o próprio Chico, autor de três canções, entre elas o divertido rock

Jorge Maravilha

e

Acorda amor

, faixa de

Sinal fechado

(1974), cujo repertório é supostamente composto de canções de amigos. Depois da descoberta do truque, os censores passaram a exigir que os autores apresentassem suas músicas acompanhadas de documentos de identidade. A brincadeira de Chico Buarque durou pouco, mas até hoje o assunto é divertido.