A governanta Dalva é uma espécie de mãe preta dos tempos modernos. É ela quem comanda a mansão dos Ferraz a ferro e fogo na novela global das oito, O clone. Com seu jeito despachado e soltando pérolas do pensamento popular que, surpreendentemente, trazem humor ao texto normalmente sisudo de Glória Perez, a personagem vem ganhando cada vez mais destaque na trama folhetinesca. A responsável por tamanho prazer em assistir e ouvir Dalva determinando suas idéias com o mesmo pragmatismo com que cuida da casa é a atriz Neusa Borges, que aproveita o sucesso na telinha para comemorar seus 36 anos de carreira. Só que no lugar do tradicional bolo, esta catarinense de 57 anos quer festejar a data do jeito que sempre sonhou: trabalhando. Para os que nunca sofreram com o desemprego, sua decisão pode tomar ares de despojamento. Mas para quem, como ela, amargou um desterro longe da televisão e do cinema a data desperta um gosto especial de vitória. “Ou seria de revanche?”, pergunta, intrigada. Motivos para tal ela tem.

Nos quatro anos distante dos holofotes, desempregada, despiu-se do glamour que ronda o meio artístico e assumiu seu drama pessoal nos jornais e na televisão, expondo sua vida e sua conta bancária sem nenhum pudor. “Fui ao fundo do poço, enquanto minha pressão atingia os céus. Nem para o remédio de hipertensão sobrava dinheiro no fim do mês”, relembra. Hoje, a penúria faz parte do passado. Neusa agora só quer falar dos sucessos. Em breve, sua determinada e divertida Dalva irá juntar-se a dois novos personagens no cinema em O filho predileto, de Walter Lima Jr., no qual contracena com a italiana Ornella Muti, e em Uma vida em segredo, baseado na obra do romancista Autran Dourado e adaptado por Suzana Amaral. Os filmes só farão crescer o extenso currículo de Neusa Borges. Em três décadas e meia de carreira, ela já trabalhou em mais de 30 novelas – entre elas a de histeria internacional, Escrava Isaura – e outras tantas peças de teatro. Um talento dramático primeiro percebido por Vinicius de Moraes, que adorou ver a artista de voz exuberante animando as noites de São Paulo, nos anos 60.

Diana Ross – Com a capacidade de percorrer toda a escala musical, ela estreou nos palcos como cantora. Foram praticamente dez anos vivendo da bela voz que a deixou conhecida como a Diana Ross dos trópicos. Mas a profecia de Vinicius se confirmou no primeiro teste de Neuza para disputar um papel de destaque. Ao desbancar 400 candidatas, a então jovem atriz ficou quase quatro anos vivendo do sucesso da peça Hair. “Eu dançava, cantava e ainda representava.” Eram outros tempos e o teatro da chamada era do desbunde respeitava e dava atenção aos negros, que, paradoxalmente, só figuravam em novelas, filmes e peças publicitárias como subalternos. De certa forma continua assim, mas com a presença forte de Dalva, sem querer Neusa derrubou a pecha e está se encaixando entre os principais papéis da novela.

Afetuosa e maternal como a sua personagem de

O clone

, a atriz diz nunca ter esquecido suas raízes, nem nos momentos áureos da vida profissional. Tia de 50 sobrinhos, ela mantém viva a tradição da família. “Nos amamos na pobreza e na riqueza”, conta. Difícil foi manter a festa na época do desemprego. Pode-se dizer, no entanto, que contou com a atenção de amigos fiéis. Viúva e mãe de três filhas – duas delas adotivas – e dois netos, a primogênita de oito irmãos teve sua primeira ajuda financeiramente salvadora vinda do cantor Elymar Santos. Ele levantou R$ 15 mil num show beneficente e, com o auxílio do pagodeiro Alexandre Pires, zerou as dívidas bancárias da atriz. Logo depois veio o convite para a novela global. “Sou apaixonada pela Glória Perez. Ela sempre surge na minha vida nos momentos mais difíceis.” Agora, convencida de que precisa voltar às origens para completar um ciclo na terra, esta kardecista de carteirinha está se preparando para reviver seus tempos de cantora. “Sou uma nega tinhosa”, brinca, soltando uma deliciosa gargalhada.

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