Um homem sofre um ataque cardíaco em companhia de seus filhos enquanto dirige um carro. Acidenta-se, as crianças morrem e ele não. Ninguém o responsabilizaria pelas mortes. Uma mulher entra num estado psíquico de alucinação após dar à luz, mata o bebê ou todos os filhos. Medicamente constatado que ela agiu sob um quadro de psicose pós-parto, essa mulher é responsável pelo seu ato? A fronteira que separa doenças socialmente mais aceitas, como um ataque cardíaco, daquelas ainda estigmatizadas, como a enfermidade mental, é na verdade o que está em julgamento no Estado americano do Texas.

No banco dos réus senta-se Andrea Yates, que no dia 20 de junho do ano passado afogou na banheira os cinco filhos quando a mente escureceu-lhe numa crise esquizoafetiva: Noah, sete anos, John, cinco, Paul, três, Luke, dois, e Mary, seis meses. Andrea relata que “ouvia vozes do diabo mandando matar as crianças justamente para que elas fossem salvas do inferno”. Sua principal testemunha de defesa é seu marido e pai das crianças, o engenheiro da Nasa Russel Yates – que usa o argumento do acidente de carro para isentá-la de culpa. Ele compreende que a esposa não é uma assassina, mas sim uma mulher doente. E tenta convencer os jurados e os EUA de que ela não pode ser condenada à prisão perpétua ou à pena de morte. Dezesseis dias antes da tragédia, o médico de Andrea suspendeu-lhe a medicação, ignorando os pedidos do marido para que mantivesse o antipsicótico Haldol. Russel Yates deu essa entrevista a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como está sua esposa?
Russel Yates –
Ela chora muito. Está em terapia e toma 15 miligramas de Haldol. Permanece sob vigilância para que não se suicide.

ISTOÉ – Conversam sobre os filhos?
Russel
– Sim. Ela não entende como posso perdoá-la.

ISTOÉ – Muitas pessoas não entendem
esse perdão.

Russel –
Ela estava muito doente. O seu coração
é bom, mas a sua mente estava enferma. A culpa
é da doença.

Haldol e amor – Há em São Paulo um caso semelhante ao de Andrea, que mostra que o tratamento adequado e a compreensão de familiares podem resgatar a afetividade de quem atravessa um surto psicótico pós-parto. Walquíria matou a filha caçula de 11 meses com três golpes de facão na cabeça. Como Andrea, ela já havia passado por internações psiquiátricas. Assim que a menininha nasceu, a irmã mais velha, Simone, então com 16 anos, percebeu que a mãe não estava bem – ouvia a voz do diabo mandando matar a recém-nascida. Retirou o bebê da casa, mas por ser menor não pôde ficar com ele. A criança foi para uma instituição e a mãe, internada. Quando Walquíria voltou para casa, recuperou a guarda da filha. E a matou. Ao longo da vida, Simone sempre entendeu que a mãe é uma pessoa doente. Deu-lhe um netinho que está com seis meses. Walquíria sai periodicamente do hospital judiciário em que está internada para cuidar do bebê.

 

ISTOÉ – A sra. gosta de cuidar do neto recém-nascido?
Walquíria –
Muito. Gosto muito de dar banho nele, tomo todo o cuidado para o sabão não ferir os seus olhinhos.

ISTOÉ – Qual a sua reação se alguém tentasse fazer mal ao seu neto?
Walquíria – Eu jamais deixaria isso acontecer. Parece até que eu adivinho quando ele vai chorar. Vou correndo ao berço.

ISTOÉ – Por que a sra. matou a sua filha?
Walquíria –
Eu estava doente. Ouvia vozes de comando. Eu me tratei e sei da importância de continuar me tratando sempre. Nunca deixar de tomar os medicamentos (como Andrea, toma Haldol). Assim as vozes somem.