É o seguinte: enquanto Felipão não colocar a Seleção Brasileira na boca do povo, os investimentos em marketing, propaganda e licenciamento na Copa do Mundo de 2002 não vão deslanchar no mesmo ritmo de copas anteriores. A Rede Globo, dona dos direitos de transmissão, só conseguiu vender as duas últimas das seis cotas de patrocínio (R$ 35 milhões cada uma, compradas pela AmBev, Coca-Cola, Itaú, Volkswagen, Casas Bahia e, em fase final de negociação, a Embratel) na semana passada, a menos de 90 dias de França e Senegal abrirem a Copa em Seul, a capital da Coréia, no dia 31 de maio. O brasileiro ainda não sabe os nomes que vai gritar, xingar e aplaudir na estréia do Brasil contra a Turquia, dia 3 de junho, uma segunda-feira, às seis horas da manhã, em Ulsa, na Coréia. A indefinição e a performance das várias seleções montadas pelo técnico Luís Felipe, aliadas ao fuso horário adverso do Japão e da Coréia, são, por si só, argumentos suficientes para conter investimentos. Mas não os únicos. 2001 foi um ano maldito, o ano do trágico 11 de setembro em Nova York, do apagão, da falência não decretada da Argentina, da crise da poderosa economia americana, conjunção que levou empresas de todos os portes a trancar o cofre. Resultado: a Copa do Mundo de 2002 deve ficar devendo à Copa de 1998, na França, quando os investimentos atingiram R$ 1 bilhão. “Com um time desse, o evento torna-se caro como investimento e afeta o astral do patrocinador”, diz Alexandre Gama, presidente da agência Neogama, que prepara a campanha da Sky (tevê por assinatura) para a Copa. “Todo o preaquecimento fica prejudicado.”

J.Havilla, dono da Traffic, empresa de marketing esportivo responsável pelo esporte da Rede Record (que desistiu de transmitir a Copa), argumenta que não há clima. “Além da crise no mercado mundial de futebol, com queda livre dos investimentos, o Brasil não tem time, é a primeira vez que o País não é o favorito”, diz. Não é mesmo. Na bolsa de apostas de Londres, os brasileiros aparecem em quarto lugar entre os favoritos, depois de Argentina, França e Itália.

A expectativa é de que em maio “a coisa pega”, como diz Ronaldo Gasparini, vice-presidente de operações da W/Brasil. Ele diz que o que acontece neste momento é uma prorrogação dos investimentos, admitindo que as condições desta Copa trazem, sim, mais dificuldades, que poderão ser amenizadas quando (e se) Romário chegar à Seleção. “Temos que ser criativos.” É um desafio vender alguma coisa para alguém que está morrendo de sono. A W/Brasil já tem idéias para acordar a galera com clientes como a Sadia (pizza congelada), o energético Redbull, a cerveja Bavaria Premium, o Unibanco (o banco 30 horas). O esvaziamento dos outros jogos, porém, parece inevitável para Gasparini. Quem vai levantar às quatro da manhã para ver Irlanda x Camarões, China x Costa Rica, Coréia x Polônia?

Os grandes clientes darão a largada em abril, prevê Flávio Rezende, diretor de mídia da DPZ, lembrando que estamos vindo de um ano repleto de crises e admitindo que a confusão do time e o caos que vigora entre dirigentes postergam os investimentos, o que, no entanto, não acontece com as emissoras de rádio, que já venderam todas as suas cotas. A DPZ tem a conta do Itaú e do guaraná Kwait, da Coca-Cola. “Esse é o tipo de investimento que não pode ser postergado”, diz José Carlos de Salles Gomes Neto, presidente do grupo editorial MM, que publica o jornal especializado Meio&Mensagem, e vice-presidente da Associação Brasileira de Marketing e Negócios. O descrédito na Seleção deixa o clima mais morno, mas Copa e eleições, diz ele, formam um conjunto perfeito para o aumento dos investimentos. “Eleições normalmente trazem dinheiro novo e a Copa também, pelo lado promocional, o que alavanca os negócios no primeiro semestre, geralmente mais fraco que o segundo”, diz.

Para a ira de Felipão, foi o Romário que ele castiga – e não os escolhidos de suas várias seleções – que esquentou o clima pré-Copa, com a adesão ilustre do presidente Fernando Henrique Cardoso ao coro dos que querem o baixinho na Seleção e com uma notável campanha de propaganda da Coca-Cola. “Quem disse que eu não vou à Copa?”, ele perguntava (ao lado de duas mulheres de muitos e muitos quilates) na divertida promoção “cadeira reservada”, criada pela McCann-Erickson para levar 40 brasileiros à Copa 2002. Romário ganhou um dinheirão (não divulgado por ninguém) e provocou o maior quiproquó. O que rolou nos bastidores da CBF, que tem um contrato de US$ 180 milhões e 18 anos com a AmBev (que patrocina a Seleção Brasileira com o logotipo do guaraná Antarctica), ninguém sabe. O fato é que o contrato de Romário com a Coca acabou em 1º de março, o filme saiu do ar e, aparentemente, encerrou-se a rasteira polêmica com pronunciamentos britânicos de ambas as partes. “Para nós, o importante é que a Seleção seja a melhor possível e possa ganhar o pentacampeonato”, disse Carla Coelho, gerente de comunicação corporativa da AmBev, negando haver qualquer obstáculo à convocação de Romário. O vice-presidente de marketing da Coca-Cola, Fernando Mazzarolo, não deixou por menos: “Espero que o vínculo de Romário com nossa empresa não pese em sua convocação, pois a performance da Seleção está acima de uma disputa comercial.” Um lembrete do executivo: a Coca é o único refrigerante que poderá promover ações sobre a Copa do Mundo no País, e Romário, se as duas partes
quiserem, pode voltar em outras promoções. A multinacional tem dinheiro de sobra para isso: R$ 200 milhões para marketing, propaganda
e promoções no ano.

Esquentando os tamborins, a Carillo Pastore Euro RSCO criou para a AmBev uma série de cinco filmes para a campanha “170 milhões de técnicos”, que estreou no dia 20 de fevereiro com o filme que exibe cenas de Felipão dando instruções aos jogadores da Seleção e, de repente, percebe que alguém está a seu lado fazendo a mesma coisa. No banco de reservas, vários outros “técnicos” fazem Felipão se dar conta de que comanda a Seleção de um país de 170 milhões de técnicos.