George W. Bush tinha uma dívida eleitoral com seus correligionários do insignificante Estado de Virgínia do Oeste – composto por 1,8 milhão de pessoas espalhadas por uma cadeia de montanhas no Meio-Oeste americano. Na terça-feira 5, o presidente americano acertou suas contas com a população que lhe deu, por uma margem mínima, os quatro votos no colégio eleitoral que garantiram seu mandato. Bush ergueu barreiras de proteção à entrada do aço estrangeiro nos Estados Unidos, para regozijo da decadente Weirton Steel, a fabricante local que é uma das maiores empregadoras da região. Durante três anos, o metal importado pagará uma sobretaxa de 8% a 30% para entrar nos EUA. No dia seguinte, o Charleston Gazzette, o principal jornal da capital do Estado, estampou a otimista manchete “Um bom primeiro passo”, sobre o fôlego que as medidas protecionistas darão aos mineradores locais.

Acima de tudo política, a decisão – tomada às vésperas das eleições parlamentares nos EUA – inflamou a comunidade de comércio exterior no mundo todo. Num simples ato, Bush rasgou a cartilha de livre negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e abriu focos de crise que podem colocar a perder, por exemplo, o sonho americano de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O afago aos mineiros de Virgínia repercutiu mal nos cinco continentes.

Anacronismo – No Brasil, o descontentamento com a fixação de tarifas de até 30% para a entrada do aço nos EUA foi manifestado abertamente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no Panamá, onde foi surpreendido com a notícia. Ele atacou “o anacronismo das barreiras ao livre comércio impostas pelas principais economias do mundo”. As novas cotas passam a vigorar a partir do dia 20 e, segundo a primeira avaliação do governo, restringem os planos das siderúrgicas brasileiras de expansão das vendas de produtos semi-acabados e praticamente retiram os acabados do mercado americano. “Cerca de 85% a 90% do aço brasileiro exportado não será afetado”, colocou panos quentes o homem do governo americano para o comércio exterior, Robert Zoellick. O que preocupa, de fato, é a arrogância de Bush na tomada de uma decisão tão importante e o sentimento de que novas medidas como essa podem acontecer intempestivamente. “O setor produtivo brasileiro está frustrado com o que sente como uma limitação de acesso a mercado”, disse o chanceler Celso Lafer. O ministro do Desenvolvimento, Sergio Amaral, calculou entre 10% e 15% a perda de faturamento com as vendas para os EUA, de US$ 726 milhões por ano.

Na Europa, a reação foi irada. “As importações não são a causa das dificuldades americanas e as medidas anunciadas não vão fornecer soluções, mas agravar a questão”, disse o comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy.

Contestação – A União Européia entrou formalmente com pedido de contestação na OMC contra a imposição de Bush, pedindo avaliação das tarifas. Segundo as agências internacionais, já está sendo discutido com Washington a possibilidade de a União Européia receber compensações pelo prejuízo de US$ 3,8 bilhões que os produtores deverão ter com a medida americana. Até o grande aliado de Bush no continente europeu, Tony Blair, primeiro-ministro britânico, não poupou críticas à decisão.

O coro dos descontentes ganhou adesões na África do Sul, Japão e Austrália, entre outros países produtores de derivados de minérios.
A Austrália e a Nova Zelândia também entraram na OMC com pedido de contestação.Nos Estados Unidos, as empresas importadoras e consumidoras de aço chiaram em bloco. “O presidente, que disse querer liderar o mundo rumo ao livre comércio e a mercados abertos, transformou os Estados Unidos no mercado mais protegido do mundo para o aço”, disse David Phelps, presidente do American Institute for International Steel, que representa os importadores de aço nos Estados Unidos. “São as empresas e os trabalhadores americanos que pagarão pela decisão do presidente.” Isso porque a importação não é uma opção, mas uma necessidade: os produtores domésticos de aço que reclamam contra o “aço barato” despejado no mercado têm capacidade para atender 75% da demanda interna dos Estados Unidos.

A indústria brasileira é das mais competitivas no mundo. Tem à disposição mão-de-obra barata e matéria-prima em abundância. O processo de privatizações no setor modernizou a fabricação e levou o Brasil à ponta-de-lança do comércio internacional. Os Estados Unidos, ao contrário, viram suas empresas inchar ao longo da década passada sem reagir ao assédio global. São empresas ineficientes que empregam menos de 200 mil pessoas. Trinta delas quebraram ao longo dos últimos cinco anos.
Diante desse quadro, não demorou muito para que o argumento econômico de Bush caísse por terra e o presidente americano virasse alvo de críticas de todos os lados. Até a direita, seu lar ideológico, como diz artigo do New York Times, viu as medidas como um triunfo do oportunismo político.