Não há sinal fechado tampouco contramão quando se tem entre 18 e 25 anos. O importante é passar dos limites, com a certeza de que não se morre no final. Mas as estatísticas oficiais de trânsito no País apontam exatamente o contrário. Eles morrem, e muito. O super-homem é de vidro. Basta misturar uma noitada com fortes doses de velocidade, de álcool e do chamado “efeito pavão” – quando o motorista quer se mostrar para os amigos ou parceiros. Especialistas são unânimes: é a personalidade transgressora e ousada do jovem que dita seu comportamento no trânsito, aliada à imaturidade e à inexperiência na direção. Por isso, dizem em coro, a fórmula para controlá-los nos pedais tem que passar pelo núcleo familiar e pelas escolas. Um possante automóvel de presente a um filho pode facilmente transformar-se em uma arma. O diretor do Centro de Psicologia Ligada ao Trânsito, Salomão Rabinovich, ressalta que os pais precisam perceber se os filhos estão prontos para lidar com a realidade e suas consequências. “Não é porque ele fez 18 anos que já pode ser considerado um adulto. A adolescência hoje vai até os 25 anos”, afirma Rabinovich. João Franciso Jobim, 18 anos, filho do maestro Tom Jobim, pode ser considerado um exemplo disso.

José Montal, vice-presidente da Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Trânsito (Abramet), explica o fetiche do brasileiro pelo carro, principalmente dos jovens. Segundo ele, a carteira de habilitação é como um rito de passagem para uma nova fase da vida. “Espera-se anos por isso. O carro significa liberdade, sonho, é a própria juventude.” A tragédia mais recente envolvendo jovens ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 3 de março. Os filhos do publicitário Paulo Giovanni, dono da FCB, uma das maiores agências de publicidade do País, morreram num acidente na avenida das Américas, na Barra da Tijuca. Gustavo Sérvolo, 21, e o irmão João Pedro, 16, estavam num Golf preto em companhia do primo Thiago Brum quando foram atingidos pelo Audi dirigido por Rogério de França Couto, que sobreviveu ao acidente junto com Thiago. Eles saíram na madrugada de domingo de uma festa e voltavam para casa. A polícia ainda não sabe qual dos motoristas avançou o sinal vermelho.

O acidente de trânsito, que de 1997 a 2000, segundo estatísticas do Departamento Nacional de Trânsito, matou 84.561 pessoas, é a segunda causa de morte violenta no Brasil. Segundo a diretora de Divisão de Reabilitação do Instituto de Ortopedia do Hospital da Clínicas (SP), Julia Greve, 60% dos leitos de traumatologia dos hospitais públicos são ocupados por vítimas do trânsito. Para ela, o álcool é presença constante nos casos mais graves. A tese é confirmada pela perita criminal Vilma Leyton. Ela constatou que o álcool contribuiu para 47% das 2.360 mortes pesquisadas. “O álcool tira a atenção, muda o comportamento e distorce a realidade. De acordo com a presidente da Associação Nacional de Psicólogos de Trânsito, Telma Nunes dos Santos, “todo mundo quando bebe diz que é ótimo motorista”. A falta de consciência de risco, que é normal entre jovens e adolescentes, turbina as estatísticas.

O ator Flávio Silvino, 30 anos, admite sentir inveja dos amigos com carros possantes. “Adoro velocidade. Tenho saudade de quando podia dirigir”, afirma. Flávio tem carteira de piloto esportivo desde 1991. O ex-piloto de Fórmula Indy e atual de Stock Car, Gualter Salles, 31 anos, garante que sua vontade de correr não chegou às ruas. Apaixonado por velocidade como Silvino, diz que, se não praticasse o esporte, iria saciar essa vontade na cidade: “O jovem fica deslumbrado com o primeiro carro. Não é um vício correr, mas um prazer. Só que ele precisa entender que fazer isso na rua vai dar em morte na certa.” Já o jovem piloto de Kart, David Trindade, pensa diferente. Aos 15 anos, já pega o carro da família para andar em Alphaville, no condomínio onde mora. “Dá vontade de pisar mais, mas tenho de obedecer”, brinca. David, que já foi campeão paulista, defende a menoridade para a carteira de habilitação. “Se a auto-escola ensinasse aos 16, não teria problema”, acredita. Para ele, a habilidade é suficiente para pôr as mãos no volante.

Educação – José Montal, da Abramet, critica os pais que permitem que os filhos dirijam sem preparo ou maturidade. “O pai não tem a preocupação de manter o filho vivo. Não sabe que o trânsito pode matar o jovem.” As campanhas não funcionam como deveriam. A questão está na educação. Segundo o psicólogo, é primordial ensinar nas escolas como se comportar no trânsito. Já Rabinovich chama a atenção para as falhas das peças institucionais. Segundo ele, a imagem de um corpo estendido está distante da realidade do motorista, seja por não ter passado pela experiência, seja porque se considera inatingível. “O assunto tem que ser mais amplo: a cidadania. Quem respeita os outros numa fila ou não joga papel no chão também não vai querer levar a melhorno trânsito, não vai achar que pode tudo.” Para o conselheiro da Associação de Engenharia Automotiva, Roberto Scaringella, o número de mortos no Brasil (cerca de 50 mil por ano) resulta da explosiva combinação: “A auto-escola faz de conta que ensina, o motorista que aprende e o Detran que o habilita”, afirma.

Vítimas de fatalidades provocadas por jovens durante corridas em vias públicas, conhecidas como “pega” ou “rachas”, atribuem os abusos à impunidade. A carioca Vânia Guimarães, 46 anos, estava grávida do quarto filho quando o marido, o jogador de futebol Dirceu José Guimarães, foi morto também na fatídica avenida das Américas. O jogador saía de uma partida de futebol em setembro de 1995 dirigindo um Puma quando um Monza ultrapassou o sinal fechado em alta velocidade.

Marcelo de Assis Tales, o motorista do Monza hoje com 30 anos, estava em companhia de quatro jovens, entre os quais duas menores. Marcelo, segundo Vânia, apostava corrida com outros dois carros quando ultrapassou o sinal. Até hoje o caso tramita na Justiça. “A impunidade faz com que irresponsáveis continuem matando nas ruas. O que aconteceu com meu marido não foi fatalidade. Foi um crime de trânsito”, desabafa.