Comunista na juventude, Tônia Carrerocomemora o sucesso de suapeça-denúncia, confessa-se feliz semsexo e diz que, sim, traía seus maridos

O perfume da grife francesa Estée Lauder anuncia, já da entrada da confortável casa no Jardim Botânico, que Tônia Carrero aguarda pela reportagem de ISTOÉ na sala voltada para a piscina. Muitos tapetes persas e telas de Carlos Scliar, Cícero Dias e Glauco Rodrigues – o quadro da atriz revela o auge de sua beleza – preenchem os espaços e testemunham uma vida bem-sucedida. Aos 83 anos, Tônia parece uma mulher feliz. Para começar, faz o que mais aprecia na vida: teatro. Está em cartaz no Rio com a peça Chega de história, de Fauzi Arap. Orgulha-se em fazer o que chama de “peça-denúncia” – “Foi escrita na época de Collor e continua extremamente atual” – e se emociona quando lembra da ovação de 15 minutos, no último fim de semana: “É o céu!” Ela interpreta uma professora aposentada, que trabalhou por 40 anos e não tem dinheiro suficiente para viver com dignidade. Contracena com o ator Nilton Bicudo e surpreende o público ao passar dois longos minutos em cena sentada na posição de ioga.

Depois de dois liftings com o mestre Ivo Pitanguy e de um retoque com a cirurgiã plástica Jorama Zvaig, há dez anos, Tônia ainda exibe indícios firmes da beleza esplendorosa do passado. Embora tente aparentar que não se deixa abater pela idade avançada, o rigor consigo mesma é implacável: “A cara está caindo, devagarzinho”, diz, quase num sussurro, deslizando as mãos pelas maçãs do rosto. O melhor de tudo é o estado de espírito: “Estou contente com a vida, satisfeitíssima.”

Ela nasceu Maria Antonieta, virou Mariinha e depois Tônia Carrero, rebatizada por uma professora de violão. Com senso de humor e rara vivacidade, fala de seus casamentos, inclusive das traições, e discorre sobre os melhores e piores momentos. Foge do sentimento de inveja dos mais jovens quando pensa nos descendentes. Seu único filho, o ator Cecil Thiré, lhe deu quatro netos e quatro bisnetos. Mantém o glamour durante toda a entrevista, como se estivesse recitando um texto de teatro.

ISTOÉ – A sra. tem alguma dificuldade para memorizar o texto?
Tônia Carrero

Nenhuma. Faço 84 anos em agosto. Muitas vezes, quero me lembrar do nome de alguém e não consigo, mas lembro tudo de minha peça. Não esqueço as coisas indispensáveis. As lembranças de infância, da primeira mocidade são bem presentes na memória. O que vem depois, deleto. Tenho um computador que apaga tudo o que não é necessário. Vejo um rosto, reconheço, tenho uma memória visual muito boa, mas às vezes o nome me escapa. Uma das coisas que me ajudam a decorar é a marcação do diretor. Se vou para lá, para cá, guardo tudo.

ISTOÉ – Qual foi o trabalho mais importante na carreira?
Tônia Carrero

Navalha na carne (Plínio Marcos), em 1965. Até hoje, foi a experiência definitiva. Em qualquer carreira há um patamar que se atinge de saída. Depois é preciso esperar muito. Um dia se sobe um degrau. Tinha 25 anos de teatro e foi importantíssimo: deixei cair completamente o glamour, a beleza, vivi meu lado interno. Quando isso refletiu nos outros, foi uma surpresa geral. Diziam que eu nunca conseguiria fazer uma mulher da vida, pobretona, morando em um cortiço. Fauzi Arap me ajudou muito.
 

ISTOÉ – A sra. e Paulo Autran trabalharam na mesma companhia, mas a rivalidade entre ambos era grande…
Tônia Carrero

Eu e Paulo Autran sempre tivemos uma rivalidade. Ele não quis mais trabalhar comigo porque achou que não tinha graça dividir o dinheiro. Eu também.
A gente já custa a ganhar um dinheirinho e tem que dividir por dois. Não, melhor é cada um sozinho.
 

ISTOÉ – Autran chegou a brigar com o jornalista Paulo Francis por causa de uma dura crítica que ele teria feito à sra. Como foi?
Tônia Carrero

 Águas passadas. Realmente Paulo Francis escreveu uma horrível crônica a meu respeito. Acho que era porque ele queria ter um caso comigo. Naquela época, as coisas eram assim.
 

ISTOÉ – A sra. parece muito íntima de Vinicius de Moraes no filme Vinicius, de Miguel Faria Jr. Houve algo entre vocês?
Tônia Carrero

Conheci Vinicius quando ele ainda morava no Leblon. Tati, sua mulher naquela época, tinha uma casa no Leblon e eu fiquei amiga dela até sua morte, há seis anos. Quando Vinicius me cantou, eu disse: “Que vergonha!” Justamente por causa da Tati. Era um amor muito bonito. Mas me arrependo sim. Talvez ele não tenha me cantado direito.
 

ISTOÉ – Dos três maridos, qual foi o que deixou a melhor lembrança?
Tônia Carrero

A paixão atroz foi Adolfo Celi. Mas o que mais se aproximou de mim foi o maluquinho do César Tedin. Esse era muito divertido, maravilhoso, não como companheiro. Melhor dos amigos e pior dos maridos. Foi infiel e nunca confessou, nem mesmo o caso com a Leila Diniz. Leila o contou em seu livro. Mas eu já sabia, ele dizia que estava apaixonado por ela. Foi cruel, mas ficou comigo.
 

ISTOÉ – E a sra. , foi fiel?
Tônia Carrero

Nunca. Durante cinco anos era fiel, mas o homem escapava e os outros estavam em volta. Ficava difícil.

ISTOÉ – Apesar de tudo, os casamentos valeram a pena?
Tônia Carrero

Vivi muito atarantada com meus três maridos. Mas a partir do momento em que fiquei sozinha, em 1978, foi tão bom! Depois houve namoros, mas nada me interessou profundamente. Passei para uma etapa de calma, uma autoconscientização dos verdadeiros valores. Lutei sempre por uma estima que tinha por mim e pelos outros. Mas os parceiros queriam provar que eram melhores. Bobagem, tudo jogo de vaidade.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Existe vida sexual para uma mulher de 83 anos?
Tônia Carrero

Não. Passa-se ao largo. Os mais jovens não acreditam que seja possível. Até os 75 anos estava muito bom. Mas foi acabando devagar, suavemente, e se transformou em um amor muito grande pelos outros. De repente, os outros passaram a me dar uma consciência de sua presença, que nunca tive. Adorava o espelho, eu mesma. Agora, como é importante lidar com o outro, ver a preocupação dos outros. Antes, eu era trotskista, meio comunista, sempre de esquerda. Hoje, vejo que é possível esperar que o Brasil se defina por outros caminhos.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Qual foi o melhor período da vida?
Tônia Carrero

 Acho que a mulher existe mesmo entre 45 e 65 anos, é o apogeu, tudo vem à nossa mão. Depois é preciso inventar experiências que te refaçam aos olhos do público, como acontece agora com minha peça. Estou tão contente! A casa lotou no sábado e no domingo, foi um alívio constatar que o público gosta de teatro-denúncia. A peça foi escrita na época de Collor e, de lá para cá, não mudou nada no Brasil. Está tudo igual ao que era. Não conseguimos sair dessa eterna espera. O brasileiro finalmente sabe o que deve querer, pelo que lutar. Fomos muito enganados. Houve uma frustração definitiva. Mas houve um lado bom: veio tudo à tona. Sabe-se tudo, embora o presidente diga que não sabe, a gente sabe coisas que nem sequer se imaginava.

ISTOÉ – A sra. acredita que todas essas denúncias podem promover uma limpeza no País?
Tônia Carrero

Não, mas melhora. Nada muda de repente. Imagina se eu passasse de jovenzinha para velha. É tudo gradativo. Adorei o Roberto Jefferson, foi útil demais, precisávamos de alguém que fizesse o que ele fez. Mas desconheço seus motivos, escusos, com certeza.
 

ISTOÉ – A sra. votou no Lula?
Tônia Carrero

Não, votei no José Serra e vou repetir meu voto. Para mim a esquerda é o Serra. Essa coisa de dizer que a fome vai passar, e não passa, é muito cruel. Houve falhas lamentáveis, por culpa dele (Lula). Dos outros, não sei, não julgo. Ainda me entusiasmei muito com Lula quando ele foi por aí afora, falando tão bem. Cheguei a dar uma entrevista dizendo que ele fala muita besteira, mas não faz muita besteira. Ele falava tão errado. Teve 30 anos para estudar e não estudou nada, sustentado pelo PT. Isso está errado, me amargura muito. As pessoas estudam sempre. Fernando Henrique dá conferências pelo mundo sobre tudo o que aprendeu.
 

ISTOÉ – Quem foi para a sra. o melhor presidente?
Tônia Carrero

Juscelino. Foi ma-ra-vi-lho-so! Foi nossa época golden, de ouro. Todos éramos jovens. É tão bom ser jovem! Preciso combater a inveja que tenho dos jovens. Quando me pego com esse sentimento, me lembro de meus netos e cura logo. Tenho netos e quatro bisnetos, um deles já com 12 anos. Não é brincadeira. Ele já foi me assistir! Quando acabou me disse: “Muito bom.” É uma maravilha poder ter o testemunho de um bisneto.
 

ISTOÉ – A sra. também não levou uma cantada de Juscelino?
Tônia Carrero

Foi uma invenção de Lúcia Pedrosa, que era amante dele. Ela dizia: “Avisa ao presidente que Tônia Carrero está chegando.” Usava meu santo nome em vão. Todo mundo achava que eu e o Juscelino tínhamos um caso. Mas, infelizmente, nunca houve nada entre nós.
 

ISTOÉ – Já fez psicanálise?
Tônia Carrero

Muito tempo. Tive três psicanalistas, a última foi Inês Besouchet. Me
dei alta há 15 anos.
 

ISTOÉ – O que gosta de fazer nas horas de lazer?
Tônia Carrero

Gosto de sair, sempre tenho disposição. Bebo, só vinho tinto. Ontem tomei uma caipirosca, era domingo, não tinha teatro no dia seguinte. Fui ao quiosque da Lagoa, no italiano, e a lua estava linda. Eu, Camila Amado e o ator Mauro Borges. Foi muito agradável. Estava comigo um sobrinho de meu primeiro casamento, o Kiko, que praticamente mora comigo. Era um bebê com seis meses, tinha fome, o levei para São Paulo e salvei sua vida. Ele ficou eternamente meu. É muito agradável ter uma companhia constante de alguém que te quer bem. Ele se chama Leonardo Thiré, tem quase 50 anos. Ainda sou boêmia, adoro conversar com gente à noite. Também vejo muito televisão, tenho assistido Belíssima e JK. Faço palavras cruzadas, a editora me envia várias por mês. Exercita o cérebro, o compromisso de me lembrar das coisas.
 

ISTOÉ – Por que a sra. não tem feito televisão?
Tônia Carrero

Depois de uma certa idade, ninguém te convida mais. Quem sabe onde anda Sofia Loren? Morre-se completamente ignorado. Isso não acontece comigo porque sacudo as pessoas que ainda vêm me ver no teatro. É uma sorte incrível.
 

ISTOÉ – A sra. já viu Big Brother?
Tônia Carrero

Me nego. É de uma pobreza sem limites. Tenho televisão a cabo, vejo filmes, novela e pronto.
 

ISTOÉ – Quais os maiores problemas da idade avançada?
Tônia Carrero

 Descer escada sem corrimão. O joelho direito começou a me dar uma fragilidade por causa da ponte aérea. Somos obrigados a saltar longe e andar quilômetros, sob um sol escaldante. Isso faz mal a qualquer pessoa. Começou no ano passado, num dia em que eu estava com uma calça de veludo que molhou com a chuva. Levei hora e meia para voltar para casa. Foi o começo. Até encontrei com Marilu e Ivo Pitanguy, viemos juntos no avião. O médico me disse que aquilo me fez mal. Há quatro anos bati com a cabeça e o traumatismo me causou hidrocefalia. Mas me operei e estou totalmente recuperada, voltei a andar bem. Quando fiz um Tchekov em São Paulo, estava péssima, não conseguia andar. Muita gente anda mal e não sabe que tem essa doença. Cláudio Marzo teve isso, operou e deve estar perfeitamente bem.
 

ISTOÉ – A sra. tem medo da morte?
Tônia Carrero

Nenhum. Só espero não sofrer, ficar doente e depender dos outros. Seria uma condenação. Não queria incomodar meu filho, Cécil Thiré, o melhor dos filhos, que me deu quatro netos e bisnetos. Olha que semente!
 

ISTOÉ – A sra. acredita em vida após a morte? .
Tônia Carrero

 Não é que não acredite. Não conto com isso. Sei lá, a gente não sabe se
tem alguma coisa. Sou espiritualista. Mas volto à primeira infância e me benzo
antes de subir ao palco, faço o nome do pai desde pequena. Minha mãe me treinou assim. Mas de repente, lá pelos 13 anos, comecei a duvidar de tudo, dos padres,
da Igreja Católica

ISTOÉ – Os jovens de hoje praticamente não namoram, eles ficam. O que a sra. acha disso? .
Tônia Carrero

Perfeito. Era tudo que a gente queria e não podia. Agora se atracam, combinam se vão dormir juntos ou não. Mas tem que ter camisinha. Isso é indispensável