Embora sejam filmes absolutamente masculinos – e talvez até por isto –, os faroestes centrados na amizade entre vaqueiros sempre traziam um recalcado homossexual. Basta lembrar de títulos como Butch Cassidy e Sundance Kid ou Rio Vermelho. A novidade de O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, Estados Unidos, 2005), o melodrama de Ang Lee que arrasou na recente entrega do Globo de Ouro e promete brilhar nas indicações ao Oscar, é fazer o gênero literalmente sair do armário com a história de amor entre o rancheiro Ennis del Mar (Heath Ledger) e o peão boiadeiro Jack Twist (Jake Gyllenhaal). Se bem que o filme, com estréia na sexta-feira 3 e passado entre as décadas de 1960 e 1980, não seja um western ao pé da letra. Del Mar e Twist, aliás, não cuidam de vacas, mas de “bíblicas” ovelhas. É sempre bom ter em mente o pano de fundo religioso da história, passada diante da Brokeback Mountain do título, no Estado de Wyoming, em pleno cinturão bíblico. Mais tarde, quando a trama de 2h14 tiver rompido o preconceito do espectador, esse insidioso substrato vai se mostrar pesado, quase trágico.

O filme começa num ambiente desolado que lembra as fotos de Walker Evans. Os dois caubóis são contratados por um fazendeiro para cuidar de um rebanho de ovelhas e, numa noite de bebedeira, ao se aquecerem na mesma cabana, numa tempestade de granizo, acabam se atracando. Consumado o ato, uma ovelha aparece morta, devorada por um coiote, como se vítima de um sacrifício. É um dos contrapontos habilmente orquestrados por Lee. Mas o segredo dos vaqueiros – e aí esconde a força do enredo – não é exatamente sexual. As transas são até escassas para um título que vinha causando tanto barulho desde a sua premiação com o Leão de Ouro de Veneza, no ano passado. Na verdade, Del Mar e Twist se amam.

Trata-se de um sentimento que nem eles conseguem entender. Logo depois da primeira cena de intimidade, um deles diz: “Não sou gay.” E o outro: “Nem eu.” Terminado o bico de pastores, eles se separam. Del Mar casa-se com a antiga namorada, tem duas filhas. Twist enriquece ao conquistar uma rainha dos rodeios do Texas cujo pai é dono de uma loja de tratores. Passam-se quatro anos e os dois se encontram. A paixão reacende e eles não param mais de se ver, às escondidas, em Brokeback Mountain. Rotular o filme de gay é uma bobagem, embora muito do seu interesse resida na provocativa atitude de se investir contra um dos maiores mitos americanos, que contrapõe a liberdade da natureza à lei da cultura. Na verdade, O segredo de Brokeback Mountain vai mais fundo. Seu desfecho amargo, que ilumina toda a história com sabedoria, deve ser aguardado até por quem achar o miolo chato e cor-de-rosa.