Na comunidade de Oneida, a filosofia do altruísmo e da partilha começava pelas relações entre homens e mulheres. O amor livre fazia parte do cotidiano da mansão de 100 cômodos da propriedade rural, que se espalhava por um vale, entre as cidades de Syracuse e Utica, no norte do Estado de Nova York. A cada semana, as mulheres da comunidade tinham, em média, três parceiros diferentes. Entre as mais jovens, a diversidade aumentava para sete. Num país marcado pelo puritanismo, os rumores sobre bacanais em Oneida deixavam a vizinhança escandalizada. Naquela época, no século XIX, ninguém sequer sonhava repetir o slogan “Faça amor, não faça a guerra”, obrigatório nos protestos hippies contra a guerra do Vietnã (1964-1973). Criada mais de 100 anos antes pelo líder religioso John Humphrey Noyes, Oneida sobreviveu ao cerco de seus adversários durante quatro décadas, até 1880. As minúcias de sua trajetória são algumas das preciosidades do passado que o jornalista e escritor Gay Talese, recuperou no livro A mulher do próximo – uma crônica da permissividade americana antes da era da Aids (Companhia das Letras, 483 págs., R$ 41,50).

Nascido em 1932 na ilha de Ocean City, em Nova Jersey, Talese passou a infância excitado com a existência de um campo de nudismo, o Sunshine Park, a apenas 30 quilômetros da casa de sua família. Jamais teve coragem de concretizar o sonho de espiar os naturistas de cima das árvores, mas, autor consagrado, mergulhou na história da sexualidade americana como ninguém jamais fizera antes. Durante nove anos – de 1971 a 1980 – entrevistou centenas de pessoas, algumas mais de 50 vezes, até conquistar sua confiança e ganhar autorização para publicar suas histórias, acompanhadas de nome e sobrenome. Na busca da intimidade com o tema, trabalhou como gerente voluntário em estúdios de massagem que ofereciam adicionais masturbatórios mediante o pagamento de taxa extra. Para romper barreiras, Talese tirou a própria roupa e se entregou a experiências grupais, o que forneceu munição a críticas antes mesmo do lançamento da obra, nos Estados Unidos, em 1980. No Brasil, é inédita. Pouco tempo depois, A mulher do próximo já havia conquistado o status de clássico sobre a história da sexualidade americana, em especial das décadas de 1960 e 1970.

Rica em informações, a obra é de leitura agradável e fluida, mesmo quando o autor descreve os embates jurídicos entre os pornógrafos e os “defensores da moral”, processos rumorosos que várias vezes chegaram à Suprema Corte dos Estados Unidos. O prazer da leitura deve-se muito ao talento de Talese em radiografar seus personagens em profundidade. Alguns, como o editor Hugh Hefner, dono da marca Playboy, saltam das páginas como se fossem nossos velhos conhecidos. Em 1960, depois de fazer fortuna com sua famosa revista de mulheres nuas, Hefner inaugurou em Chicago o primeiro Playboy Club, levando também para sua vida particular coelhinhas dos mais diversos pontos do país. Muitas delas não hesitaram em protestar quando ele foi acusado de enriquecer graças à degradação do corpo feminino. No decorrer da obra, Talese trata dos meandros da indústria da sexualidade e da controversa moral americana com a mesma familiaridade com que revelou, em 1969, os bastidores jornalísticos no monumental O reino e o poder – uma história do The New York Times, sobre o prestigioso jornal onde trabalhara por uma década. Não à toa ele é considerado um dos principais expoentes do chamado novo jornalismo, o gênero que reúne técnicas de apuração da reportagem com recursos da ficção, como a ruptura da linearidade cronológica e o registro de pensamentos e estado de espírito dos personagens.