Ao erguer o queixo bem barbeado em perfeita sincronia com os troféus reluzentes – o mais recente deles, um Globo de Ouro de ator coadjuvante –, George Clooney personifica o típico Robin Hood hollywoodiano. O Zorro que se esconde sob a máscara de galã para tirar dos (estúdios) ricos e dar aos (produtores) pobres. E é lucrativo aplicar em (boas) ações – basta observar o próprio Clooney. Para alavancar a produção de Syriana (Syriana, Estados Unidos, 2005), de Stephen Gaghan, prometido para o dia 10, ele cobrou apenas US$ 350 mil de cachê. No caso de Boa noite e boa sorte (Good night, and good luck, Estados Unidos/Inglaterra/França/Japão, 2005), que estréia na sexta-feira 3, como diretor e produtor ele conseguiu reunir um elenco de peso sem gastar mais que US$ 7,5 milhões. A produção já arrecadou quatro vezes a quantia aplicada somente no mercado americano, valor equivalente ao que Clooney ganha em papéis de galã como o vivido em Onze homens e um segredo, algo em torno de US$ 20 milhões.

Apesar de ter perdido recentemente a avó, um cunhado e quebrado as costas
nas filmagens de Syriana, Clooney vive a melhor fase desde que explodiu como
o Dr. Douglas Ross do seriado Plantão médico, nos anos 1990. Seu maior feito, realmente, foi passar das listas de homens mais sexies, solteirões mais cobiçados e personalidades mais bem-vestidas para o ranking dos mais poderosos. Isso
sem perder a linha, o charme e nem mesmo os amigos. Entre os mais íntimos, que não raro freqüentam sua mansão no Lago Como, no norte da Itália, e sempre aparecem em suas produções menos comerciais, figuram diretores como Steven Soderbergh e os irmãos Coen, e colegas como Matt Damon, Jeff Bridges, Robert Downey Jr. e Julia Roberts.

Nascido em Lexington, Kentucky, há quase 45 anos – 6 de maio de 1961 – George Timothy Clooney já era íntimo da indústria aos cinco anos. O pai, Nick Clooney, foi um conhecido noticiarista da televisão, distinção que pesou negativamente na hora de George escolher a carreira a seguir – jornalismo não, jamais viveria à sombra do pai. Em compensação, o assunto tornou-se recorrente em suas realizações. Boa noite e boa sorte, por exemplo, é a terceira incursão de Clooney no universo televisivo. Código de ataque, que produziu e interpretou em 2000, transpõe para o cinema a estética do teleteatro dos anos 1950, e Confissões de uma mente perigosa, de 2002, sua estréia na direção, conta a história inverossímil do popularesco animador de televisão Chuck Barris (Sam Rockwell), que no fim da vida confessou ser um assassino financiado pela CIA.

Realizado em preto-e-branco, Boa noite e boa sorte segue a trajetória de um profissional bem diferente de Barris. Alguém mais parecido com… Nick Clooney, seu pai. Edward R. Murrow (David Strathairn), espécie de âncora da CBS, foi o primeiro comentarista de peso da televisão, graças ao respeito adquirido com a cobertura da Segunda Guerra na Inglaterra. Entrou para a história ao peitar em meados dos anos 1950, o então todo-poderoso Joseph MacCarthy, senador pelo Estado de Wisconsin e líder de uma histérica caça a comunistas. Clooney, que faz o discreto braço direito de Murrow, sintomaticamente chamado Fred Friendly, conseguiu a façanha de reunir material suficiente para contar, inclusive, com imagens reais do próprio MacCarthy. Se valer a justiça, Strathairn deve ser indicado ao Oscar de melhor ator, ao lado de Philip Seymour Hoffman, por Capote. Até a tia do diretor, Rosemary Clooney (1928-2002), cantora de jazz celebrizada pelo dueto com Bing Crosby na canção White Christmas, entrou na história. Ligando as cenas, a premiada Diana Reeves aparece cantando canções de Rosemary, acompanhada pela banda da própria.

Mosaico – Em Syriana, quem comanda a festa é o roteirista e diretor Stephen Gaghan, que repete o estilo em mosaico premiado com o Oscar de roteiro por Traffic, filme dirigido por Soderbergh. Traffic e Syriana são pintados em cores realistas. Ambos possuem uma função específica, que é mostrar, respectivamente, os bastidores do comércio das drogas e do petróleo. Robert Barnes (Clooney) é apresentado como um veterano agente da CIA que precisa ser desativado por saber demais. Cruzam a trama ainda Bryan Woodman (Matt Damon), analista de energia atingido em um atentado por estar próximo demais dos acontecimentos, e o príncipe Nasir Al-Subaai (Alexande Siddig), monarca com os dias contados por ter idéias novas. As demais peças do jogo criado por Gaghan são fundamentalistas, empresários corruptos, homens-bomba, políticos venais, em um quadro de fusões de companhias petrolíferas, acordos desfeitos, assassinatos, mentiras, o exercício do poder absoluto.

Repetindo o perfeccionismo de Robert de Niro em Touro indomável, Clooney engordou 13,5 quilos e deixou crescer a barba para encarnar Barnes. Justificou a atitude por economia. Como o estúdio exigiu uma estrela no elenco, ficou mais barato contratar a si próprio. Assim como esgrima com as armadilhas do estrelismo, o ator é um acrobata em matéria de posicionamento político. Diante da acusação de humanizar e defender os homens-bomba, respondeu à revista Rolling Stone que aquelas pessoas realmente acreditam no que fazem e que vão receber 70 virgens quando chegarem ao Paraíso. Solteirão convicto desde a separação com Talia Balsam, há 13 anos, Clooney prefere oito profissionais. E já.