Pelo menos 150 mil pessoas morrem por ano no Brasil vítimas de traumas – a maioria decorrente de acidentes de trânsito e da violência. Outros milhares carregam seqüelas pelo resto da vida. Para atender esses doentes, o governo gasta cerca de R$ 9 bilhões anualmente. Porém, muitas mortes e seqüelas poderiam ser evitadas com prevenção e atendimento de qualidade. Essa é a proposta do projeto Sistema de Atenção ao Trauma, feito por diferentes sociedades médicas para mudar esse cenário. “A maioria dos casos de trauma é atendida em prontos-socorros sem infra-estrutura mínima tanto de aparelhagem quanto de recursos humanos”, diz o cirurgião Milton Steinman, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Atendimento ao Traumatizado, participante do projeto. O documento está com o ministro da Saúde, José Saraiva Felipe, que prometeu avaliá-lo.

ISTOÉ – Mortes provocadas por acidentes, como o choque entre ônibus ocorrido no domingo 22, em São Paulo, que vitimou 32 pessoas, podem ser prevenidas?
Milton Steinman
– Sim. Este episódio reflete uma conjunção de fatores: as condições das estradas, do motorista, a conservação do veículo, o apoio pré-hospitalar nas estradas (o tempo de resposta ao pedido de socorro, o
número de profissionais disponíveis e sua capacitação) e a estrutura de auxílio hospitalar nas proximidades da rodovia. A falha de um ou mais desses fatores produz essas situações.

ISTOÉ – Como o projeto que vocês elaboraram poderia melhorar esse quadro?
Steinman –
O objetivo é implantar um atendimento integrado ao traumatizado que melhore a assistência em todas as etapas. A prevenção e um atendimento conduzido reduzem mortes e seqüelas. Em decorrência, há diminuição dos custos diretos e indiretos a elas implícitos.

ISTOÉ – Como o trabalho seria feito?
Steinman –
Garantindo acesso rápido ao local do acidente e pessoal especializado para transportar o doente. E contando, nos hospitais, com equipes treinadas
de cirurgiões, ortopedistas, neurocirurgiões, anestesistas e especialistas em
UTI, aprimorando o trabalho de reabilitação e investindo na identificação da causa
do trauma.

ISTOÉ – Como fazer isso diante de uma realidade tão dramática na saúde pública?
Steinman –
Propomos um modelo de longo prazo. A idéia é montarmos uma Comissão Nacional de Trauma, composta por vários especialistas – em medicina e trânsito, por exemplo –, para estabelecermos medidas em todos os níveis, inclusive nas faculdades. Poucas escolas médicas têm a disciplina de trauma.

ISTOÉ – O que explica essa falta de especialistas em traumas?
Steinman –
Ao contrário do que acontece em países do Primeiro Mundo, existe uma descaracterização de quem trabalha com emergência no Brasil. O mercado de trabalho não enxerga a necessidade de ter um profissional especializado nisso. Também não existe atrativo financeiro. Mas, quando a nossa vida está em risco, o profissional que presta esse atendimento deve ser o melhor e o mais experiente. Porém, a maioria dos atendimentos é feita em prontos-socorros sem infra-estrutura mínima para prestar uma boa assistência. Há cirurgiões, ortopedistas, enfermeiros que atendem na emergência, mas não foram treinados para isso. No Brasil, quando se fala em melhorar a saúde, a primeira atitude é construir hospitais ou comprar ambulância. Ninguém pensa em investir na habilitação desses profissionais. Esta inadequação também ocorre na rede privada.