No período em que ensaiava a peça Médico à força, de Molière, nos anos 50, o ator Ítalo Rossi sofreu uma incômoda cirurgia de hemorróidas e, ainda assim, não perdeu um dia de ensaio. No entanto, por infeliz coincidência, seu personagem tinha que deslizar do alto do palco e cair de bumbum no chão. Para se poupar, Rossi caiu em pé. Levou a maior bronca do diretor Gianni Ratto, sob o argumento de que “um verdadeiro ator jamais deve se poupar, sejam quais forem as circunstâncias”. A história é um retrato fiel do que era o teatro brasileiro de então: palco de dedicação extrema e laços definitivos. Quem quiser conhecer boa parte da arte cênica brasileira conta, agora, com um trabalho precioso da pesquisadora Tania Brandão, autora de A máquina de repetir e a fábrica de estrelas: Teatro dos Sete (7 Letras, 332 págs., R$ 28).

Carioca da gema, Tania, também ensaísta, professora e crítica de teatro, se despe totalmente do bairrismo para falar da produção teatral do Rio de Janeiro, tendo como referência a de São Paulo e a interação entre os dois centros. Ao fazer suas pesquisas, a autora descobriu que havia uma falha na literatura sobre o teatro carioca entre o final dos anos 40 e a década de 60. No processo, Tania deparou-se com a importância do Teatro dos Sete, que, na verdade, era composto de cinco profissionais.

Para a pesquisadora, o grupo formado pelo diretor Gianni Ratto e pelos atores Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Ítalo Rossi e Sérgio
Britto foi a primeira companhia profissional moderna no Rio, com projeto bem definido. Rossi corrobora. “Nossa intenção era fazer teatro de repertório, com Nelson Rodrigues, Shakespeare, Molière, grandes autores”, contou ele a ISTOÉ. Entre as modificações sofridas atualmente pelas artes cênicas, para o ator as mais nocivas são o encarecimento
da produção teatral e o marketing que se tornou obrigatório. “Fazíamos teatro. Hoje fazemos evento”, diz. Fernanda Montenegro também
não aplaude os novos rumos. “Tenho saudades do tempo em que
o teatro era rico em sua pobreza.”

As causas que moveram o bloco teatral do Rio para São Paulo, no entanto, segundo Tania, são outras. “O Rio hostilizava as propostas de renovação
e São Paulo, então, assumiu o papel
de meca.” Diante desta função, surgiram as diferenças fatais. “O teatro do
Rio tem uma ótica individualista. O paulista incorporou a noção de coletividade”, opina a autora. O Teatro dos Sete, por exemplo, já nasceu defendendo propostas diferentes das encampadas pelo TBC, pelo Teatro Popular de Arte (companhia Maria Della Costa) ou por outras companhias, como as de Cacilda Becker e de Tônia-Celi-Autran. Durou pouco,
de 1959 a 1964. A última montagem aconteceu em 1966, quando
o grupo se reuniu para encenar Mirandolina, de Goldoni, e assim
tentar pagar as muitas dívidas. Não conseguiu.