Se depender dos votos do presidente Lula, este será o ano da virada. A economia voltará a crescer e o fantasma do desemprego deixará de assombrar pelo menos parte dos cerca de 22 milhões de brasileiros que, sem trabalho, estão só acumulando dívidas embaixo do colchão. Claro que a baixa de juros e a contenção da inflação ajudaram, mas parece que a confiança de Lula contagiou a população. Uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte/Instituto Sensus mostrou que a população também anda otimista. Apesar de 43,7% dos entrevistados acharem que o desemprego está maior agora que durante o governo de Fernando Henrique, mais de dois terços – 72,7% – das duas mil pessoas ouvidas em 195 municípios entre os dias 2 e 4 de dezembro acham que 2004 será melhor que 2003.

A partir desse baú de esperanças, talvez se torne mais fácil cumprir os conselhos dos experts em recolocação profissional. Segundo eles – neste momento em que não basta ser bom profissional para ficar empregado –, a ordem é manter a cabeça erguida, ter fé em si mesmo e abusar da criatividade. Se não aparecer o emprego sonhado, e até enquanto se procura trabalho, é preciso transformar o sabor amargo da dispensa em uma doce redescoberta. Observar suas possíveis falhas é importante, mas indispensável é avaliar os talentos que ficaram perdidos entre os muitos papéis e a agenda cheia. É também o que prega o livro Demitido? Sorte sua! Como superar a crise e dar a volta por cima, das jornalistas Chantal Brissac, 45 anos, e Silvia Lenzi, 39.

As autoras partem do pressuposto de que processos de mudança como a demissão desestruturam a vida de qualquer um, mas, depois do primeiro baque, em vez da depressão pode vir a reação positiva, a vontade de se reinventar. A idéia do livro surgiu justamente depois que Chantal passou por uma dessas crises há dois anos. “Ao ser demitida, a gente sai da zona de conforto e vai para a de perigo. Fiquei abatida, mas depois de uma semana senti um turbilhão de emoções positivas. Era a oportunidade de fazer coisas novas. Tinha mil idéias ao mesmo tempo”, conta ela. Após entrevistar mais de 50 pessoas, entre psicólogos, antropólogos, caça-talentos, consultores de carreira e profissionais que mudaram de vida depois de uma refrega, ela chegou à conclusão de que na nova economia ser demitido não é mais sinônimo de fracasso. “Os consultores avaliam que os jovens de hoje passarão por pelo menos quatro demissões durante a vida. A dispensa será apenas mais uma fase da vida profissional”, resume a jornalista.

Poucos teriam tantos motivos para cair em uma profunda depressão quanto Marco Fábio Cataldi, 47 anos, de São Paulo, que foi demitido e logo depois perdeu um filho. Além da dor pessoal, não foi fácil abrir mão do contracheque e de todos os benefícios que usufruía como executivo de uma multinacional. “As empresas criam sistemas para que o funcionário não perca tempo nem com assuntos pessoais. Foi novidade para mim pegar fila de banco, por exemplo. Mas a demissão humaniza as pessoas”, conta. Com uma receita muito particular para manter o alto-astral, Cataldi mostrou que ser positivo vale a pena. “Quem está procurando emprego tem que mostrar autoconfiança. Ninguém contrata um desanimado. Fazer esporte e tomar sol é essencial. O esporte melhora o físico e a mente. O sol dá aparência saudável e coloca qualquer um para cima”, afirma. Ele não voltou a ser empregado, mesmo tendo recebido uma proposta tentadora. Foi assim que ele deu a volta por cima. Com um sócio, abriu a Omnicom e virou produtor de filmes publicitários e vídeos promocionais.

Mudanças – Infelizmente, por vezes a carta de demissão abre um buraco grande demais na vida das pessoas. E muitos passam do estado de choque à depressão, fechando a porta para qualquer oportunidade. A economista Susan Leibig, especialista em processos de mudança, afirma que o problema está em entender como dificuldades pessoais o que no fundo é consequência das alterações no mercado de trabalho. Entre os clientes de Susan estão executivos tão abalados com a demissão que não conseguem enxergar nenhuma possibilidade à sua frente. Com a auto-estima a zero, duvidam da própria capacidade. Para mudar esse estado mental negativo, ela aplica o
que chama de engenharia humana. “É uma reprogramação mental feita a partir de exercícios de neurolinguística. O cérebro é uma rede neural, quando se mexe num ponto toda a rede se reorganiza sob o novo ponto de vista”, defende ela. Mas a autodepreciação não atinge apenas os demitidos. “Quem está empregado também se sente massacrado pelo medo de ser substituído ou dispensado. São profissionais que falam duas ou três línguas, fazem pós-graduação, mas nunca se sentem bons o suficiente”, explica ela.

Na análise de Glória Pereira, também economista e autora de A energia do dinheiro (Ed. Campus), o mal-estar e a insatisfação consigo acontecem pela falta de percepção de que o mercado está inaugurando uma nova fase nas relações de trabalho. “Estamos numa transição histórica. A relação patrão e empregado não é mais a ideal. Entramos na era de serviços, na qual surgirão novas atividades econômicas e não necessariamente vagas de emprego. É preciso entender isso e se preparar para as regras do jogo”, diz Glória. Para a economista, a questão agora não é onde arrumar emprego, mas como fazer dinheiro. “Essa é
uma postura ativa, na qual chamamos para nós a responsabilidade de prosperar”, diz ela.

Foi exatamente a vontade de ser dona do próprio nariz que motivou Ana Almeida, 42 anos, a abrir o seu negócio. Diretora do Crefisul, uma instituição financeira que quebrou em 1999, ela foi demitida pelo Banco Central num processo extremamente desgastante. A dura experiência foi o empurrão que faltava para que ela se decidisse a não ter mais patrão. Resolveu abrir na capital paulista um sofisticado bufê. Inovou usando móveis de design e objetos finos de decoração na ambientação das festas. “Comecei em casa, apenas com uma secretária. Foi difícil, mas para mim não existe a palavra “se”. Eu engato uma primeira e vou embora”, conta ela. Atualmente, Ana mantém 20 funcionários e sua empresa cresceu 30% em 2003 – um resultado excelente para tempos recessivos. “Sempre coloquei muita energia no meu trabalho. Pelo menos agora, faço isso com o que é meu”, diz a empresária.

Pode-se dizer que Ana abandonou a idéia de “ganhar” dinheiro como assalariada e adotou a filosofia de “fazer” dinheiro” com obra própria. Dentro dessa nova visão, a livre iniciativa é muito bem-vinda. Mas empreender ainda não faz parte da cultura do brasileiro. A economista Susan Leibig diz que fatores históricos justificam essa característica. “Temos um forte padrão paternalista de trabalho, herança da nossa colonização. Os portugueses extraíam nossas riquezas com a idéia de voltar. E não havia nada mais cobiçado do que trabalhar para a Coroa. O sonho de muita gente até hoje é um emprego público vitalício”, esclarece ela. Susan aponta que o povo americano, por exemplo, sempre valorizou a livre iniciativa. “A idéia é ‘eu sou o meu grande negócio’”, afirma.

Necessidade – A dura realidade do mercado de trabalho, porém, tem feito aparecer, na marra, o espírito empreendedor do brasileiro. Uma pesquisa do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), apontou que um em cada cinco paulistas, com 18 anos ou mais, possuía um pequeno negócio ou pretendia iniciar um nos 12 meses subsequentes. Dos já estabelecidos, 72% faziam parte da economia informal. Metade dos 28% restantes eram antes empregados com carteira assinada. Os dados sugerem que há uma forte tendência empreendedora no País. O problema é que grande parte desses pequenos negócios surge de forma atabalhoada e não sobrevive por muito tempo. “De cada 100 empresas, 31 fecham no primeiro ano de vida e 60, até o quinto”, atesta Alencar Burti, presidente da entidade.

Além do despreparo, o que provoca a vida curta das empresas é a necessidade imediata de renda. “O profissional perde o emprego e decide abrir um negócio para sustentar a família. Como ele gosta de pizza, abre uma pizzaria sem analisar se há demanda. Aí, fecha por falta de clientes”, exemplifica Antônio Carlos de Mattos, gerente de orientação empresarial do Sebrae-SP. Segundo ele, o propalado tino comercial não é o determinante para o sucesso de uma empresa, mas sim um bom preparo, que inclua pesquisa, planejamento, paciência e determinação. E prazer também. Muitas atividades que começam como um hobby se transformam em grande fonte de lucro. Primeiro, porque o empreendedor conhece bem a área escolhida. E, segundo, porque provavelmente trabalhará com gosto. São vantagens que minimizam as possibilidades de erro. “Os riscos existem, mas perdem valor quando nos antecipamos a eles”, diz.

União – Outra boa forma de reduzir riscos é a união de forças. Se a carga é pesada, dividi-la é o melhor caminho. Foi o que fizeram integrantes da elite carioca e herdeiros de sobrenomes ilustres. Arquitetos, marqueteiros, designers e artistas plásticos com currículos recheados de cursos no Exterior e passagem por empresas de prestígio, eles resolveram investir em um conceito alternativo de empreendimento. Juntaram-se em escritórios com atividades mistas, que vão da criação de estampas à construção de sites, passando por projetos de decoração e produção de filmes. Dividindo despesas e responsabilidades, a turma dispensa secretárias e trabalha em ambientes comuns. “A proposta sugere que nossas atividades se complementem”, explica o arquiteto Bruno Fraga, 30 anos, um dos seis sócios do ateliê de multimídia 6D. A comunhão de talentos multiplica a possibilidade de negócios. O marqueteiro Lula Freitas, 28 anos, por exemplo, assume a
função de buscar novos trabalhos para todos. “É maravilhoso
participar de cada projeto”, diz ele. Os rapazes, em sete meses, abocanharam contratos significativos, como a campanha da nova
coleção da estilista Lenny Niemeyer.

Como percebeu Lula Freitas, ter contato com diversas áreas é uma vantagem. A maioria dos profissionais, ao perder o emprego, tende a manter a atenção voltada para a área específica em que fez carreira. Pode ser difícil mudar de ramo, mas a possibilidade não deve ser descartada. Um mercado de trabalho pouco cogitado e que tem crescido muito é o chamado terceiro setor, composto de institutos, fundações e organizações não-governamentais (ONGs). Essas entidades procuram profissionais para administrar pessoas, gerir recursos e captar parcerias em nome de uma causa social. Coordenador do Centro de Estudos do Terceiro Setor da Fundação Getúlio Vargas, o professor Luiz Carlos Merege informa que não há estatísticas recentes para medir o tamanho desse mercado de trabalho. “Mas uma pesquisa feita entre 1991 e 1995 – quando ainda havia taxa de crescimento – mostrou que o emprego no setor cresceu 44% nesse período, enquanto a taxa geral da economia ficou em 19%”, diz ele. O professor lembra ainda que, como a questão social no Brasil provoca uma demanda muito grande de soluções, o setor tende a crescer. “Muitos estudantes já estão optando por formação nessa área. Fomos pioneiros em abrir cursos de gestão para o setor e hoje há várias opções em outras universidades”, conclui. A procura pelos novos cursos mostra como a profissionalização no setor é importante.

Decisão – “O padrão de qualidade e eficiência exigido no mundo empresarial é extremamente útil neste setor em que as necessidades são sempre maiores que o orçamento”, explica Vânia Ferro, 52 anos, diretora executiva da unidade brasileira, com sede em São Paulo, da ONG Care International, que trabalha no combate à pobreza em mais de 60 países. Depois de ser demitida de uma multinacional por discordar de seu vice-presidente, Vânia resolveu juntar o útil ao agradável. “No trabalho de recolocação, contratado pela empresa da qual saí, descobri que era importante e possível trabalhar em algo que fizesse felizes a mim e a outras pessoas”, diz a executiva.

Continuar procurando emprego, mudar de área de atuação ou montar um negócio? A decisão é difícil e precisa de amadurecimento. Mas uma dica é certeira e serve para qualquer uma das situações: não vale se encolher e assumir o papel de vítima do cruel mundo capitalista. Segundo José Augusto Minarelli, presidente da consultoria Lens & Minarelli, de São Paulo, é preciso se expor e mostrar a disponibilidade de forma positiva. “Festas, jantares e encontros sociais são ótimas oportunidades. Ninguém vai levar um monte de currículo e ficar distribuindo. Mas pode-se fazer um bom trabalho de marketing do passe livre. As pessoas são vistas e tratadas do modo como se apresentam. Em vez de discutir o desemprego, a crise, deve-se falar de projetos futuros ou de realizações”, aconselha. Pois é. Circular, ver e ser visto não vale apenas para os fãs de colunas sociais. Aparecer também é boa estratégia no mercado de trabalho.