Ao vasculhar os dados armazenados em seus computadores, a rede americana de supermercados Wal-Mart notou que nas noites de sexta-feira a venda de bebidas alcoólicas disparava, assim como a de fraldas descartáveis. Uma técnica conhecida como mineração de dados eletrônicos desvendou o mistério: quando saíam para comprar fraldas para seus bebês, os pais aproveitavam para levar também uma caixa de cerveja. O achado teve o peso de uma revolução para a rede varejista, que mudou a disposição das prateleiras para ampliar suas vendas. Com o uso maciço da informática, as empresas passaram a considerar como estratégicas as informações de seus bancos de dados. A partir deles é possível investigar os hábitos e as preferências dos clientes sem que ninguém saiba. Isso vale para a lista de compras do supermercado ou para a fatura do cartão de crédito, que revela quais produtos, restaurantes e motéis seu dono aprecia.

Ao contrário do que muita gente pensa, na tecnologia há pouco espaço para a privacidade. A prisão de criminosos que solapam números de cartão de crédito e senhas é apenas um sinal dos tempos. Um relatório do serviço de inteligência da IBM mostra que os crimes digitais estão cada vez mais complexos. Um em cada 304 e-mails que circularam em 2005 era dos chamados phishing, mensagens falsas de bancos ou instituições financeiras feitas para surrupiar a conta bancária dos desavisados.

“O mundo virtual tem que se adequar às leis. Brincar de ser invisível custa caro”, diz Odécio Rodrigues Carneiro, diretor da Rede Nacional de Integração de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização, que precisou de um forte esquema para proteger seus 13,7 milhões de inquéritos policiais, processos, mandados de prisão e infrações de trânsito dos 27 Estados do Brasil.

Um projeto de lei em tramitação no Congresso defende que os provedores de acesso guardem por dez anos todos os e-mails, inclusive aqueles jogados no lixo. Para colaborar nas investigações de crimes virtuais, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) deu seu apoio ao projeto, que prevê o cadastro do nome do usuário e do cabeçalho das mensagens. “Em momento algum pensei em invasão de privacidade. A idéia é inibir crimes. Em uma investigação sobre pedofilia, quanto mais informações sobre o suspeito, melhor”, explica Amaral.

Já os especialistas encaram a idéia com ressalva. “Armazenar e-mails por tanto tempo tem um custo, e não é baixo”, afirma Antônio Tavares, presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso (Abranet). “O sigilo deve ser preservado. As correspondências poderão ser analisadas apenas sob ordem judicial, e não por qualquer um”, lembra Tavares. No fundo, combater crimes digitais tem como efeito colateral o fim de uma das mais atraentes brincadeiras que a internet proporcionou: o anonimato.