Nenhuma bomba detonada pelo grupo radical palestino Hamas teve tanto efeito. Na quarta-feira 25, nos territórios de Gaza e Cisjordânia, explodiu a voz do povo, que deu nas urnas a vitória para o Hamas (Resistência Islâmica). O braço político da organização obteve 76 assentos no Parlamento, de um total de 132 cadeiras. O verde, a cor-símbolo do grupo, coloriu o deserto. Para Estados Unidos, União Européia e Israel, uma perigosa facção terrorista. Para os palestinos, uma legítima (e agora legitimada pelo processo democrático) defesa de seu povo. Mas não basta apenas afirmar que a atual situação política do Oriente Médio é um mar de incertezas; atualmente, vive-se um momento decisivo da história. Se já se sabe a vontade do povo palestino, o afastamento do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, há um mês, abriu uma lacuna política que aguarda para ser preenchida nas próximas eleições, marcadas para março.

Imediatamente após o anúncio da vitória do Hamas, o presidente americano, George W. Bush, apelou para que seu colega palestino, Mahmoud Abbas, do Fatah (cuja liderança histórica era de Yasser Arafat), permanecesse no cargo. Abu Mazen, como é conhecido Abbas, garantiu que iria continuar comprometido com o processo de paz. A vitória do Hamas traz um dilema para a comunidade internacional: apesar de legitimado pelas urnas, é possível negociar com um grupo que prega o fim do Estado judeu? “Se a plataforma for a destruição de Israel, significa que eles não são parceiros para o processo de paz”, afirmou Bush.

O Hamas cresceu com o descontentamento causado pela ineficiência e corrupção institucionalizada da Autoridade Palestina, encarnada na velha liderança do Fatah. Com uma bem-montada rede de assistência social, que inclui hospitais, escolas
e mesquitas, o grupo fundamentalista angariou popularidade entre os palestinos mais necessitados. Sem abandonar as táticas terroristas, o Hamas perdeu
suas duas principais lideranças em 2004, decepadas pelo Exército israelense. A decisão de lançar candidatos ao Parlamento revelou a hegemonia da ala mais moderada do movimento.

A história ensina que governar é muito diferente de organizar uma resistência. São muitos os exemplos de grupos radicais que, depois de ganharem apoio político, desfizeram-se das bombas, como o libanês Hizbollah e o norte-irlandês IRA. Ao contrário, a repressão a esses grupos quando tentam chegar ao poder pelas urnas, como ocorreu na Argélia em 1992, só faz recrudescer a opção militarista. Com o respaldo das urnas e uma população oprimida para governar, os fundamentalistas do Hamas agora se tornam uma legítima voz política e podem, quem sabe, tentar a paz através da negociação e não mais tentando jogar Israel ao mar.