01/02/2006 - 10:00
O Sertão está com fome – e o brado felizmente não é um alerta para salvar a parte freqüentemente estorricada do solo nordestino. O Sertão da vez é Valdemir Pereira, 31 anos, o quarto brasileiro a conquistar um título mundial de boxe. No domingo 22, venceu por pontos o tailandês Phafrakorb Rakkietgym e trouxe o cinturão de peso-pena da Federação Internacional de Boxe (FIB). Na volta, atraiu atenção sobretudo pela sinceridade arrebatadora com que trata os assuntos, da pobreza da juventude à reação do último adversário. “Eu dava porrada, falava ‘toma, toma’ e ele fazia uh, uh, uh. Num intervalo, falei pro técnico: ‘Esse p. desse gringo geme esquisito, deve ser outra língua. Mas não cai, esse f.d.p.’” Com essa franqueza, transformada involuntariamente em recurso de marketing, o pugilista, terceiro ano primário completo, concedeu esta entrevista a ISTOÉ. Em tempo: Sertão tem fome de macarrão com farinha, um de seus pratos prediletos.
ISTOÉ – O título mundial rendeu quase R$ 60 mil. Começou a gastar?
Valdemir Sertão Pereira – Meu aluguel tava três meses atrasado. Ganho um conto e meio (R$ 1,5 mil) e pago 450. Aperta. Paguei prestação atrasada da Casas Bahia e quero comprar um carro.
ISTOÉ – Feliz com a fama?
Sertão – Meu pai, Miro, o Barba de Aço, me falou que tá todo mundo pagando cerveja. Quando voltei, uma jornalista me pediu pra ligar pra lá. Meu celular é pai-de-santo – só recebe – e o telefone deles estava cortado. Mas minha mãe atendeu. Alguém da cidade pagou a conta. Ser famoso é bacana.
ISTOÉ – Você disse que ficou bonito…
Sertão – Eu sô um neguinho enjoado, arrumado. Todo mundo é que tá me achando bonito. Todo famoso fica lindo.
ISTOÉ – E esse dentão? É ouro?
Sertão – Não, prata. O dente bambeou, meu pai puxou com linha e ficou o buracão. Coloquei em São Paulo. Minha mãe falou “que lindo!” e eu disse: “Paguei à vista.” Custou 50 conto (R$ 50).
ISTOÉ – Como começou no boxe?
Sertão – Vendia picolé em Cruz das Almas, minha cidade. Um dia, três caras me bateram e roubaram tudo. Fui pra casa, peguei uma calça velha do meu pai, tirei uma perna, enchi de areia, amarrei e comecei a socar. Queria treinar boxe pra pegar os cara. Levei uns petelecos por causa da calça, mas continuei no boxe. Aí um treinador da cidade, Dario, me levou para a academia.
ISTOÉ – É verdade que você não comeu um prato de comida desde a volta?
Sertão – Comida que dá sangue – feijão, frango, carne, macarrão com farinha –, não. Só besteira. É muito compromisso.
ISTOÉ – Macarrão com farinha?
Sertão – Você pega o macarrão com tomate, bonitinho, e soca a farinha dentro.
ISTOÉ – E diversão?
Sertão – Som: reggae, bréqui…
ISTOÉ – Break?
Sertão – É, bréqui. Boto o boné de lado e saio: “É, aí, bréqui.”
ISTOÉ – Casado?
Sertão – Juntado. Com a Sara.
ISTOÉ – Filhos?
Sertão – Com ela, não. Mas tenho três espaiado por aí: Cleiton, Cássio e Laura. Um em Santo André, um em São Caetano, um em Taboão… Coisa de baiano.