Típica vítima do efeito sanfona, Lula decidiu em novembro, dois meses antes do ano eleitoral, fazer drásticos cortes – na gordura do corpo, é claro. Segundo presidente da história do Brasil a ter o direito de reeleger-se, Lula tem uma penca de rivais em seu encalço. O presidente decidiu enfrentar a árdua batalha da perda de peso ressuscitando a dieta das proteínas há dois meses. Tudo para começar o ano com agilidade para percorrer canteiros de obras País afora, em busca da popularidade perdida. Para azar de seus auxiliares, ele teve a típica reação deste tipo de regime: mau humor. Mas pelo menos esse ajuste valeu a pena: Lula está 12 quilos mais magro, graças também a uma disciplina de exercício físico de manhã bem cedo na Granja do Torto – uma rotina que ele já vinha tendo há muito tempo. Ele corre uma hora, ou cinco quilômetros na esteira ergométrica. Quando seus assessores perguntam, a pedido dos jornalistas, qual o seu peso, invariavelmente a resposta é enfezada: “Você não é minha mulher. Não tem nada a ver com isso.”

Promessas – Acusado pelos inimigos de inoperante, na segunda-feira 16 Lula intensificou o ritmo na maratona de inaugurações de obras, principalmente de infra-estrutura: construção e reforma de estradas, portos, aeroportos, hidrelétricas, além de vitaminar projetos de habitação. Não há cabo eleitoral como a força de uma obra. Com os políticos em baixa, promessas valem quase nada. Lula e seus adversários sabem disso e suam a camisa para mostrar ao eleitor o valioso carimbo do marketing político, diante de uma obra: “Fui eu que fiz.” Com a ofensiva do presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello, que assume em junho a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), advertiu: “O exemplo vem de cima. Cabe a ele (Lula) adotar a postura que se almeja do primeiro dignatário do Brasil”. Ele se referia a um evento no Acre, no sábado 21, quando o governador Jorge Viana (PT) entregou um manifesto pró-reeleição a Lula no local onde o presidente inaugurava a Ponte da Integração entre Brasil e Peru. “Para cada evento de campanha antecipado que fizer, o presidente receberá uma representação da Justiça Eleitoral”, avisou o deputado e secretário-geral do PSDB, Eduardo Paes (RJ).

Os tucanos já haviam entrado com representação na semana anterior contra pronunciamento de Lula na tevê para explicar a quitação da dívida de US$ 15,5 bilhões com o FMI – um dos trunfos de Lula na campanha. “Vou viajar o Brasil inteiro para inaugurar o que plantei”, reagiu o presidente, advertindo que não iria deixar nenhum adversário “tirar proveito” de suas obras. Por isso mesmo, o governo federal iniciou neste mês uma grande campanha publicitária em 14 Estados para carimbar as suas obras nos Estados governados pelos inimigos. A menina-dos-olhos do presidente é o programa de transferência de renda Bolsa-Família, que em dezembro atingiu 8,7 milhões de famílias.

Lula já sinalizou que só vai assumir oficialmente que é candidato no último minuto do prazo determinado pela Justiça Eleitoral, no início de julho. Assim, ele fica livre de amarras legais e poderá participar da entrega das obras prontas até lá. “Vou continuar andando no limite do tempo de tomar a decisão. Não sou obrigado a assumir a candidatura. Os adversários é que são obrigados porque têm que se afastar de seus cargos em março”, rebateu Lula referindo-se aos tucanos que disputam internamente a candidatura a presidente: o prefeito de São Paulo, José Serra, e o governador do Estado, Geraldo Alckmin. O que for escolhido terá que abandonar o posto até 31 de março. A pré-candidatura de Serra foi confirmada por um triunvirato tucano na quinta-feira 26: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidente do partido, senador Tasso Jereissati (CE), e o governador de Minas, Aécio Neves.

Máquina pública – É tênue a fronteira entre o certo e o errado numa campanha em que o candidato exerce o papel de mandatário. Mas foi assim que se aprovou a emenda da reeleição em 1997. Há nove anos a polêmica foi igual, com personagens em papéis inversos. Lula era o principal rival de FHC, que ganhou no primeiro turno. Já em fevereiro de 1998, FHC trombou com o então presidente do TSE Ilmar Galvão, que havia alertado o candidato-presidente para o perigo do uso da máquina pública na campanha. O então líder do PT na Câmara, Marcelo Déda (SE), hoje prefeito de Aracaju, inaugurava o discurso-protesto contra a reeleição que agora os tucanos repetem. “A vantagem da reeleição sem desincompatibilização é brutal. Vamos encher o TSE de representações”, advertira, com palavras quase iguais às do atual secretário-geral do PSDB. O senador petista José Eduardo Dutra (SE) constatara: “Só há uma forma de separar o presidente da República do candidato à reeleição: a clonagem.”

O assunto já gerava polêmica em 1997. O então governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), que concorreria à reeleição no ano seguinte, já era taxativo: “Inaugurar obra não é usar máquina. Grande parte eu termino no ano que vem. O que eu faço? Vou para um retiro nesse tempo?” Mas uma das acusações que mais geraram polêmica na primeira campanha com direito à reeleição envolveu justamente Serra, ministro da Saúde. O então deputado estadual do PT Rui Falcão (SP) o acusou de uso ilegal da máquina administrativa, apresentando como prova uma fita com discurso do ministro em uma reunião com secretários municipais de Saúde ligados ao PSDB, em Piracicaba. O tititi acabou fazendo FHC distribuir cartilhas para orientar seus ministros a ajudar na campanha divulgando as obras do governo em suas viagens, mas sem provocar a ira santa da oposição petista. Em setembro de 1998, a uma semana da eleição, quando Lula respirava a derrota, o PT chegou ao cúmulo de pedir ao TSE a anulação da candidatura de FHC, alegando abuso da máquina, por causa de um pronunciamento feito sobre a crise econômica numa cerimônia do Itamaraty. Como a história é feita de ironias, não custa citar mais uma. Hoje, os mesmos tucanos que aprovaram a reeleição começam a piar em coro que no Brasil ela não deu certo. Pregam o fim da reeleição e o aumento do mandato do presidente para cinco anos – tudo, é claro, para o pleito de 2010. A tese é compartilhada por Lula, que diz que sempre foi contra a reeleição, mas certamente não deixará de aproveitar a sua chance.