O médico Almino Cardoso Ramos,
42 anos, opera mensalmente 120
pacientes de apendicite e crises de
vesícula, entre outros males do aparelho digestivo, a sua especialidade. Apesar do
grande número de procedimentos, raramente termina o dia com o avental branco maculado
de sangue. Tanta assepsia surpreende, mas não é exclusividade dele. Como centenas de colegas, Almino é especialista em cirurgias minimamente invasivas, intervenções que
estão mudando a face da medicina. São cirurgias feitas com incisões cada vez menores, algumas de meio centímetro, no tamanho exato para a introdução de uma câmera e pinças para remexer no interior do corpo. “Esses instrumentos são a extensão da mão do cirurgião. E as imagens geradas pela câmera são os nossos olhos, com uma visão 20 vezes maior”, explica o gaúcho Almino, que há 20 anos trocou sua cidade natal, Caxias do Sul, por São Paulo, para aprender a técnica que agora ministra em cursos dados em diversos países, de Portugal ao Japão. Quem mais se beneficia com essas operações são os pacientes. Sofrem menos durante e após o procedimento, vão embora mais cedo para casa e retornam mais rápido à vida normal. “Toda cirurgia é um trauma. Mas, quanto menor ele for, mais rápido o organismo se recupera”, afirma o cirurgião Jorge Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina.

O aumento da procura por esses procedimentos acendeu o interesse de empresários da saúde. Em São Paulo, motivou a criação do Centro Especializado em Cirurgias Minimamente Invasivas, local em que são feitas cerca de 380 cirurgias por mês e onde o cirurgião Almino opera com freqüência. Entre as mais comuns estão as de redução de estômago (contra obesidade) e as de retirada de miomas. “Esse foco nos possibilita ter custos 30% a 50% inferiores aos de hospitais maiores porque fazemos cirurgias simples dentro de regras que não permitem excessos. Isso facilita até a relação com os convênios”, explica May Cividanes, administradora do empreendimento, pioneiro na América Latina e inaugurado há um ano e três meses. E do ponto de vista científico a estratégia ganha destaque. Em setembro, por exemplo, será realizado no Rio de Janeiro o 1º Congresso Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva em Ginecologia. O encontro reunirá 700 especialistas prontos para discutir 53 temas – de intervenções para incontinência urinária a sangramento uterino. “A área avançou tanto que exige um evento como esse”, explica o ginecologista Marco Aurélio de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Endoscopia Ginecológica e Endometriose.

Epilepsia – Muitos fatores contribuem para o sucesso dessa equação que mescla eficácia com maior conforto para os doentes. Um deles é o progresso nos métodos de diagnóstico por imagem. Ele permitiu, por exemplo, que a cirurgia de epilepsia desse um salto fantástico nos últimos anos. As crises da doença são deflagradas por descargas elétricas em determinadas regiões cerebrais. Cerca de 70% dos casos são controlados por remédios. Para o restante, a única opção é tirar a área afetada.

Antigamente, o drama começava na localização desse foco. Era preciso implantar eletrodos no cérebro para achar o ponto. Enquanto isso, o doente ficava internado. Depois, nova intervenção para tirar o eletrodo e, em seguida, aí, sim, a cirurgia para extração da área. Hoje, em 80% dos casos localiza-se a lesão com o auxílio de ressonância magnética, tomografias e eletroencefalogramas mais modernos. Sem abrir nada. E, na hora de mexer no cérebro, o corte é mínimo. “Como identificamos o local antes, a abertura é pequena. Além disso, há instrumentos que calculam onde levar o bisturi”, conta Américo Sakamoto, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O coração é mais um órgão favorecido. Cerca de 80% dos casos de entupimento das artérias que irrigam o coração são resolvidos com a colocação de stents (espécie de mola que abre a artéria, liberando a passagem do sangue).

Atualmente, também se recorre à implantação dos artefatos para tratar o entupimento dos vasos da perna. “O procedimento, que substitui uma cirurgia penosa, é possível graças à evolução da área. Os cateteres e os stents melhoraram”, afirma o médico Marcelo Ferreira, da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro. O objetivo é diminuir o sofrimento até nos casos em que o stent não pode ser usado e a melhor opção é implantar pontes mamárias (enxertos nas coronárias para restaurar o trânsito sangüíneo). Um dos recursos para amenizar o impacto dessa cirurgia foi a criação da técnica que dispensa a circulação extracorpórea (uma bomba faz as vezes do coração e pulmão durante a operação) em 40% dos casos. “Usamos um dispositivo para imobilizar e estabilizar a artéria. Isso encurta a internação de oito para cinco dias”, diz Pablo Pomerantzeff, diretor de Cirurgia do Instituto do Coração, em São Paulo.

As ferramentas pouco invasivas também servem para fazer diagnósticos, como a avaliação de nódulos de pulmão para saber se há risco de câncer. No modelo moderno, há duas ou três incisões torácicas de dez milímetros. O convencional implica incisões de até 25 centímetros e até cortes nas costelas. “A técnica é ainda indicada para enfisemas graves”, explica Luís Carlos Losso, do Grupo Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva. Vários métodos continuam se refinando, como a cirurgia pouco agressiva de joelho. Aperfeiçoamentos recentes garantem maior suavidade. “Diminuímos o tempo de reabilitação do paciente”, explica o especialista João Grangeiro Neto, diretor-médico do Comitê Olímpico Brasileiro.

Acesso – Contudo, muitos pacientes ainda não são premiados por esses avanços. “De madrugada, nos hospitais públicos, é difícil fazer uma cirurgia de apendicite por videolaparoscopia. Em geral, o aparelho não está disponível”, conta o cirurgião Almino. Fora das grandes cidades, a dificuldade aumenta. “Muitas instituições não têm os equipamentos básicos e muito menos os recursos para cirurgias pouco agressivas”, diz o cirurgião pediátrico Paschoal Napolitano, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo.

De fato, no Brasil, o preço elevado dos materiais e equipamentos dificulta o acesso. O tratamento do aneurisma cerebral por vias mais delicadas, por exemplo, ainda é restrito. “Seu uso não é amplo por causa dos valores e porque há poucos especialistas capacitados”, explica o neurorradiologista Mário Andrioli, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Cada um dos artefatos usados nesse procedimento custa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. E às vezes é preciso utilizar até dez.

Além disso, não se pode perder de vista que mesmo essas cirurgias têm risco. “Pode haver ruptura de vasos e outras estruturas. O médico precisa ser treinado para agir rápido”, diz o cirurgião Losso. E há casos em que elas não são a primeira opção. “É possível, por exemplo, operar câncer de útero pela técnica, mas por enquanto em situações bem selecionadas”, pondera o ginecologista Carlos Dale, da Casa de Saúde São José.