Eduardo Smith de Vasconcelos Suplicy, o Supla, é bem mais esperto do que muita gente imagina. Marqueteiro de primeira, nem quando morou cinco anos em Nova York, ele deixava de mandar seus factóides dos Estados Unidos ou durante as rápidas, mas sempre comentadas, visitas brasileiras. O roqueiro, que no momento ganha superexposição por causa da sua divertida participação no inacreditável programa do SBT, Casa dos artistas, adora um flash. Não importa de que direção venha. Vale é ser fotografado, fazendo o tipo mau, é claro. E dá-lhe caras e bicos, tachas e arrebites. Como a mídia adora excentricidades, ela embarcou confiante na determinação de Supla em ser uma figura punk também de espírito. Só agora descobrem no garotão paulistano de origem quatrocentona, filho da prefeita de São Paulo Marta Suplicy e do senador Eduardo Suplicy, um homem gentil, de fácil relacionamento. Na verdade, Supla sempre foi assim. Amigos e namoradas atestam. Por trás daquele figurino extravagante – até brega, de onde pode-se enxergar estilo na superposição de roupas de tecido e couro e nas dezenas de badulaques na linha sadomasoquista –, encontra-se um sentimental. Não foram raras as vezes em que – entre declarações bombásticas, inclusive contra Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT, ao qual sua mãe é filiada – seus cabelos descoloridos e espetados à base de muita clara de ovo contrastaram com os olhos marejados, depois de ele ter falado da forte ligação afetiva com o pai.

Com uma grande capacidade de gerar polêmica, o cantor e compositor de 35 anos é a figura da hora. Sorte dele, que precisava de uma oportunidade para divulgar seu CD-pôster O Charada brasileiro, que chegou às bancas de jornal de todo o País na sexta-feira 23, ao preço de R$ 9,90. O álbum, cuja foto de capa faz alusão ao personagem Charada, do seriado pop televisivo Batman, dá sequência ao esquema plantado por Lobão, que, cansado das gravadoras, se vingou delas num bem-sucedido lançamento independente. Mesmo incerto quanto à recepção do público, Supla foi obrigado a seguir o mesmo caminho do colega iconoclasta, pois nenhuma fortaleza ou não da indústria fonográfica quis comprar o projeto do roqueiro que há muito não gravava no Brasil. Agora, as gravadoras estão correndo atrás do prejuízo, pelo que se sabe, sem sucesso.

Durante os últimos dez anos, Supla mudou várias vezes de estilo. Passou do punk rock cantado em clubes noturnos underground do Village nova-iorquino – época em que era vocalista da banda Psycho69 – a um gênero batizado por ele de bossa furiosa. Ou seja, uma levada mais vagarosa, com ecos de bossa nova, aliada a um rock domesticado, mas de letras sempre contundentes. É esta, por exemplo, a linha musical de Green hair (japa girl), faixa do novo trabalho e música cult entre a moçada ligada na MTV.

Como queria divulgar seu álbum, Supla aceitou participar da Casa dos artistas, um programa que enfatiza a tese atual de que o mito da privacidade já desabou. Mas quem conhece o roqueiro desde o princípio, achou esquisito vê-lo trancafiado numa mansão com pessoas de personalidade, origem, astral e fama completamente diferentes da dele. Nas duas primeiras semanas, Supla era um estranho no ninho. Mal falava, mal prestava atenção nos absurdos verbais reinantes entre os outros participantes. Muitas vezes deu a impressão de, com razão, se sentir constrangido diante daquelas situações completamente nonsense. Mas, como o comportamento humano é surpreendente, principalmente quando se trata de sobrevivência, seja ela qual for, aos poucos o ex-vocalista do grupo Tokyo – que fez relativo sucesso nos anos 80 tocando rock pauleira – foi se manifestando e colocando suas tachas cintilantes ainda mais em evidência. Ao que tudo indica, já papou a atriz Bárbara Paz – os dois adoram se movimentar debaixo de edredons. Começou também a dar opiniões, a escapar das armadilhas imaginadas pela modelo Núbia Ólive, que já foi eliminada, a questionar a presença maciça de Alexandre Frota e seu maquiavelismo em tentar liderar o time masculino e, evidências das evidências, a divulgar cada vez mais seu CD em incisivas inserções de merchandising explícito. Resultado: Supla ganhou torcida favorável do público, lotou a agenda de shows de dezembro até fevereiro cobrando um cachê inflado em 100%, e o disco, que iria sair com 30 mil cópias, saltou para uma tiragem de 60 mil.

Disco de ouro – Quem está felicíssimo com a somatória de acontecimentos é seu empresário Ricardo Queirós, que, entre outros, também empresaria o cantor disco-clubber Edson Cordeiro, a banda hardcore Raimundos e a apresentadora Babi, do SBT. “Acredito que antes de o Supla sair da Casa teremos o primeiro disco de ouro independente da história brasileira”, diz Queirós. Para disco de ouro, leia-se 100 mil cópias. “Temos pedidos do Brasil inteiro, incluindo as grandes lojas. Pelo jeito sincero do Supla, ele está pegando desde o garoto de cinco anos até a senhora de 60. Estamos com um fenômeno nas mãos”, acredita o empresário, que não imaginava que seu contratado fosse aguentar tanto tempo no programa. Motivos para tremendo aluguel, no entanto, não faltam. De algum jeito, o roqueiro deve estar sabendo do seu sucesso externo. A propalada falta de comunicação com o mundo exterior se mostrou não ser tão rígida assim. Supla, então, parece estar levando mais a sério o projeto de ganhar os R$ 300 mil reais do prêmio acrescidos aos R$ 60 mil pela participação. Talvez também esteja imaginando a repercussão nas rádios. Japa girl, por exemplo, já é a mais pedida da paulistana Mix FM.

Eterno língua solta, Supla não poupa nem a mãe. Na edição de Casa dos artistas, da quarta-feira 21, quando a turma enclausurada improvisava uma peça sobre os nordestinos na capital paulista, em determinado momento um deles se queixou do roubo de sua sanfona. Imitando o apresentador Ratinho, o cantor discursou: “Senhor governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, senhora prefeita Marta Suplicy, onde está a segurança desta cidade?” O senador Eduardo Suplicy adorou a intervenção. “Esta é a realidade da cidade e ele tem mais é que chamar a atenção das autoridades”, afirma. “O Silvio Santos pediu aos pais dos participantes que gravassem uma mensagem. Em primeiro lugar, vou cumprimentar meu filho pelo seu desempenho, depois, vou pedir para ele cantar a música Cara feia, que compôs nos Estados Unidos e acho muito interessante para as crianças. E, como ele está lá há muito tempo, quero lembrá-lo que ainda sou candidato a candidato à Presidência da República.” Marta Suplicy não quis fazer nenhum comentário sobre Casa dos artistas. Em compensação, derrete-se ao falar do filho, lembrando da primeira vez que o viu ao vivo. “Fiquei chocada, mas tive a certeza de que ele é um artista. O momento é uma oportunidade muito boa para o Edu poder voltar à música.”

Príncipe – Não são apenas os pais que caem de elogios a Supla. A consultora de moda Fabiana Kherlakian, com quem ele manteve um namoro de cinco anos, guarda boas lembranças. “Para mim ele sempre foi um cavalheiro, um príncipe. O que mais me impressionava era sua autenticidade. Também o achava muito engraçado e, apesar do visual enlouquecedor, era tímido. Entrava num restaurante com aquelas roupas e ficava tímido”, relembra ela. Luiz Carlini, o guitarrista de dez entre dez roqueiros brasileiros, produtor de Supla (1989), primeiro disco solo do cantor, também admira o amigo pela autenticidade. “A casa dele no East Village de Nova York era o maior muquifo, aquele negócio de mola saltando do sofá encontrado no lixo”, conta Carlini.

Parece provocação o título e o refrão da canção A gente sempre quer mais – que Supla assina em parceria com George e Kojak –, faixa do álbum O Charada brasileiro. Provocação ou certeza, porque o roqueiro um dia imaginava ver novamente seu nome nas manchetes como na época em que era líder e vocalista do grupo Tokyo. Pois aconteceu e Supla pode, enfim, querer mais e também dar vazão à sua ansiedade para lançar um novo trabalho no Brasil, depois de dez anos longe das gravadoras. Neste intervalo, enquanto morava em Nova York, ele jogou no mercado alternativo americano um disco com a banda punk rock Psycho69, ex-Mad Parade. Ainda gravou de um jeito quase caseiro um CD todo em inglês de bossa furiosa. Nunca chegou às lojas. Com O Charada brasileiro, que ele contabiliza como seu sétimo trabalho, Supla volta às origens do punk rock, ajudado pela banda paulistana Holly Tree.

É um disco de atitude sincera. A faixa-título é puro Sex Pistols. Não vai além dos três acordes. Vale pela ironia da letra: “Sou o Charada brasileiro/não me vendo por dinheiro/meu cabelo foi vermelho/já rodei o mundo inteiro/e com você eu vou brincar/com certeza engabelar/seu dinheiro vou levar”, canta ele na melodia adrenalinada. Na opinião de Supla, o disco é uma mistura “sem ser bicho grilo” de punk rock, classic rock e rap, três gêneros que foram suas maiores influências nos últimos anos. O rap está diluído de forma sutil ao longo do CD. Nem combina muito com Supla. Boa mesma é sua incursão por um gênero mais cool como a bossa furiosa Green hair (japa girl) e as canções agitadas. Entre elas, as regravações de Humanos e Garota de Berlim, sucessos dos tempos do Tokyo, sendo que a última foi composta em homenagem à roqueira alemã Nina Hagen, com quem o artista platinado manteve um meteórico romance na década de 80. Máfia italiana apresenta uma bateria inspirada no rap, scratches digitalizados e letra falando de uma garota barra-pesada. A música pode render um bom clipe, como afirma com convicção o cantor marqueteiro. Saindo da ficção, ele descreve um personagem real em Rei da mídia, na qual, sem nenhuma sutileza, acaba com Marcos Mion. Seu o nome não é citado, mas o alvo sem dúvida é o apresentador da MTV. “Não preciso do seu canal…/tenho a tevê, rádio, revista e o jornal/te olho na cara, te ameaço/mas é só pra tirar sarro dessa sua cara feia de palhaço”, brada a letra. Ah!, quase não é preciso dizer que o tal rei da mídia é ele, Supla. Quem mais seria?