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Um brasileiro se tornará o recordista em participações em Copa do Mundo como treinador. Aos 66 anos, Carlos Alberto Parreira, tetracampeão mundial à frente do Brasil, em 1994, completará seis torneios quando começar a Copa da África do Sul, em junho de 2010. Ele acaba de retomar o comando da seleção anfitriã, que dirigiu até o início do ano passado, quando um problema de saúde de sua mulher o fez deixar o posto.

ISTOÉ – Como se sente próximo de se tornar recordista em Copas como técnico?

Carlos Alberto Parreira – Não me causa vaidade. Aqui, a responsabilidade é grande, o país está enlouquecido. Teremos de dar um jeito de ir para as oitavas de final, porque, do contrário, será um fracasso. Passando dessa fase, o céu é o limite!
 
ISTOÉ – Como é a torcida sul-africana?
Parreira – Entusiasta. Vai usar muita vuvuzela (corneta de plástico usada pelos torcedores sul-africanos)! Hoje, a vuvuzela não me atrapalha, mas para o adversário é complicado porque, com o barulho, não dá para se comunicar com o jogador. O presidente (Jacob) Zuma (da África do Sul) esteve no estádio para nos assistir recentemente. Ele costuma ir ao hotel, ao vestiário, fala com os jogadores. Nossos jogadores são franzinos, magrinhos, coxinha fina, não dá para enfrentar o adversário no físico. Nossa força é a bola no chão.
 
ISTOÉ – O sr. deixou o comando da seleção africana no ano passado. Achou que seria recontratado?
 
Parreira – Saí porque minha esposa estava doente e não deu para eu ficar aqui. Estamos casados há 38 anos, ela (Leila Parreira) é umacompanheira de vida. Até achei que não iria retornar. Queriam um técnico local e a imprensa questionava: “Será que ele vai nos deixar outra vez?”. Estou há 42 anos no futebol, já trabalhei com seis seleções e nunca deixei ninguém na mão. Agora, minha mulher está recuperada, deverá vir assistir à Copa. Ela gosta de futebol, vibra, mas não é de ficar dando pitaco em escalação, enchendo meus ouvidos com o que ouve por aí. É bom, porque, quando chego em casa posso ter vencido ou perdido, não tem aborrecimento.
 
ISTOÉ – O que aprendeu com a Copa de 2006?
 
Parreira – Fui campeão do mundo com as seleções de 1970 e 1994. Em 1974 e em 2006 não ganhei. Qual a diferença? Quando o grupo de jogadores e a comissão técnica não falam a mesma língua, quando não existe comprometimento e a química da vitória não está ali, fica difícil. Em relação à Seleção de 2006, depois do último amistoso em novembro (de 2005), só fui ver os jogadores em março, em um jogo contra a Rússia, em Moscou, com 21 graus negativos. Depois, só na Copa. Quando eles chegaram lá, alguns estavam fora de forma, com peso muito acima, teve aquele negócio em Weggis (cidade suíça escolhida para a preparação).
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ISTOÉ – Qual negócio?
 
Parreira – Aquela torcida toda (na preparação), uma bagunça. Mas não perdemos só por causa disso. Faltou o jogador saber que vai disputar uma Copa, preparar-se e chegar pronto. Como você vai monitorar Ronaldinho, o melhor jogador do mundo, Ronaldo, o fenômeno, Kaká, ou seja, 23 homens? É complicado! E quando você vem de uma vitória, como a de 2002, é mais ainda. Dá uma relaxada, já é campeão do mundo. Em 1994, via os caras se cobrarem, porque, como haviam tomado porrada em 1990, sabiam o que não poderiam fazer. Em 2006, não. Faltou um espírito que norteasse a Seleção, a química de time campeão e responsabilidade individual.
 
ISTOÉ – O que faria diferente?
 
Parreira – Em janeiro, a comissão técnica se reuniu – eu com cinco Copas, Zagallo com seis, Américo (Faria, supervisor da Seleção) com quatro –, para decidir como seria a programação. Tínhamos a opção de trazer os jogadores para o Brasil para fazer exames e avaliação. Mas, depois de dois, três dias, eles teriam de retornar para seus clubes na Europa. Decidimos, então, fazer a apresentação da equipe na Europa para ganhar tempo. Mas depois que a gente não ganhou, refletimos melhor.
 
ISTOÉ – Haviam errado?
 
Parreira – Não houve um erro. Mas eu e o Zagallo tínhamos ido a várias Copas, e o time sempre se apresentava, antes, no Brasil. Era recebido pelo presidente da República, tirava uma foto oficial, uniformizado, ou seja, sentia a febre do povo. Faltou isso. Quando eu saí, falei para o Ricardo (Teixeira, presidente da CBF): “Presidente, tem de trazê-los para o Brasil, antes da Copa, mesmo que seja para ficar alguns dias.” A Seleção de 2006 não teve nem uniforme!
 
ISTOÉ – Qual a diferença do Parreira de 2006 para o de agora?
 
Parreira – Como treinador – eu não era tão diferente antes, não – gosto de um jogo mais aberto, com mais qualidade. Evoluí nesse conceito, quero jogadores que joguem futebol independentemente de saber marcar ou não. Sei que no time daqui terei de ter maiores cuidados porque os jogadores defensivos não são tão eficientes como outros que jogam na Europa.
 
ISTOÉ – Dunga vai fechar o ano com 82% de aproveitamento na Seleção. Qual o mérito dele?
 
Parreira – O pragmatismo e a simplicidade. O Dunga não reinventou a roda nem o futebol. Manteve os conceitos que tão bem aplicou durante tanto tempo como jogador, ou seja, a escola do futebol brasileiro: marcação por zona, posse de bola, participação de todo mundo. E não mudou a maneira de jogar, mesmo na hora da pressão, e isso dá consistência ao time. Dunga faz o arroz com feijão, no bom sentido.
 
ISTOÉ – Como avalia o futebol praticado na África do Sul?
 
Parreira – O campeonato daqui é o mais forte, organizado e rico da África. Está entre os dez mais rentáveis do mundo. Mas aporta muito pouco em conteúdo de jogadores. A liga sul-africana permite que cada equipe tenha cinco estrangeiros. É muito. O futebol daqui tem caído por isso. O resultado é que os jogadores do país só explodem na seleção com 26 anos. Fiz palestras para os dirigentes da liga, sugeri dois estrangeiros por equipe até a Copa do Mundo, pelo menos. Mas contratos feitos com patrocinadores não permitem a mudança.
 
ISTOÉ – Pensa em dirigir algum time na Copa de 2014, no Brasil?
 
Parreira – Essa será a minha última Copa como treinador. E já será um bônus. Não deixa de ser uma honra e um privilégio, sabe por quê? Muita gente gostaria de estar no meu lugar, dirigindo o país anfitrião. Disse isso quando começaram a dizer que topei vir pelo dinheiro. Depois de quatro décadas no futebol, não sou rico, milionário, mas sou independente. Conheci 120 países e vou ter o prazer de dirigir novamente uma seleção verde e amarela (as cores do uniforme sul-africano).
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