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A perda do real frente ao dólar desde o final de julho até a manhã de ontem já representa cerca de 40% da magnitude da desvalorização da moeda brasileira decorrente da crise financeira em 2008. Analistas e investidores internacionais, que classificam como "desordenada" a apreciação acelerada do dólar nos últimos dias, não veem espaço para recuperação do câmbio no curto prazo e não descartam a possibilidade de o governo brasileiro eliminar as medidas recentes de controle de capitais consideradas mais extremas, caso as intervenções do Banco Central não consigam segurar o tombo do real.

O dólar já subiu 27,73% frente ao real na comparação da cotação mínima de 2011 de R$ 1,5290, no dia 26 de julho, até ao patamar máximo deste ano de R$ 1,953, atingido na manhã de ontem. Da mínima de R$ 1,5560 por dólar em 1º de agosto de 2008, antes do colapso do banco americano Lehman Brothers, para o pico de R$ 2,62 em dezembro daquele ano, no auge da turbulência mundial, o dólar acumulou uma alta de 68,38% frente ao real. O que surpreendeu os analistas internacionais é que a barreira de R$ 1,92 por dólar, atingida em maio do ano passado quando a crise da dívida soberana da Grécia agravou-se, foi superada muito antes do projetado.

"Ainda há uma elevada ansiedade dos investidores internacionais em relação à zona do euro e enquanto o pessimismo sobre a crise da dívida soberana de países europeus persistir, não vejo como o real possa se recuperar no curto prazo, pois todos os ativos de riscos, como commodities e moedas e ações de países emergentes, devem sofrer", disse à Agência Estado Win Thin, diretor de pesquisa para mercados emergentes da Brown Brothers Harriman em Nova York.

Na opinião do estrategista-chefe para mercados emergentes da RBC Capital Markets em Toronto (Canadá), Nick Chamie, a desvalorização do real está sendo exacerbada pelas medidas de controle de capital adotada nos últimos meses pelo governo brasileiro. "O Brasil poderá relaxar as medidas mais extremas de controle cambial adotadas recentemente, como a taxação de 1% de IOF sobre o aumento de US$ 10 milhões nas posições de derivativos", disse Chamie à Agência Estado. "O governo brasileiro exagerou nessa medida, o que, combinada com outras ações adotadas nos últimos meses, contribuiu para deflagrar esse movimento forte do real". Para Chamie, as perdas da moeda brasileira são consistentes com a situação muito ruim de liquidez nos mercados financeiros globais atualmente.

Para Greg Lesko, diretor-gerente da Deltec Asset Management em Nova York, que têm US$ 850 milhões em ativos, dos quais quase US$ 200 milhões investidos na Bovespa, o câmbio desvalorizado diminui o apetite dos investidores estrangeiros de entrar comprando ações na Bolsa brasileira, pois o retorno em dólar das aplicações fica significativamente reduzido. "Como investidor cuja base da carteira é em dólar, o cenário atual (do câmbio no Brasil) não é muito feliz para o valor dos meus papéis brasileiros", disse Lesko.

Os dados sobre fluxo de capital externo divulgado ontem pela Bovespa corroboram o sentimento de Greg Lesko. O saldo de capital externo na Bovespa está negativo em R$ 14,732 milhões em setembro, até o dia 20, último dado disponível. É a primeira vez que os saques superam o ingresso de investimentos estrangeiros na Bolsa este mês. A cifra é resultado de compras de R$ 26,843 bilhões e vendas de R$ 26,858 bilhões no período. Somente no dia 20, os estrangeiros sacaram R$ 239,316 milhões da Bovespa.

"O movimento do câmbio no Brasil tem sido desordenado e as intervenções no mercado pelo Banco Central são para tentar injetar alguma ordem", afirmou o vice-presidente para mercados emergentes da MF Global, Michael Roche, baseado em Nova York. Para ele, o governo brasileiro não deve reverter completamente todas as medidas de controle de capital para não passar a impressão de pânico ao mercado nem arranhar sua credibilidade. "Reverter, neste momento, a taxação de IOF pode até ser contraproducente, pois os investidores estrangeiros podem achar que, quando o real se recuperar, o governo poderá voltar com as medidas", disse Roche. Ele considera que a melhor ação é continuar com as intervenções no mercado de câmbio para estabilizar o câmbio.

Para Roche, a desvalorização forte do real poderá fazer com que o BC interrompa o ciclo de queda na taxa de juros iniciado na última reunião do Copom, devido ao efeito sobre a inflação da alta do dólar. "O mercado tentará saber qual é a avaliação do BC sobre a magnitude de repasse ("pass-through") para os índices de inflação da alta nos preços de importados em razão da desvalorização cambial", afirmou.