O desfecho do sequestro do publicitário Washington Olivetto jogou um facho de luz num segredo que setores da polícia vinham mantendo há mais de uma década: o Brasil abriga uma rede clandestina de apoio às organizações guerrilheiras internacionais que se utilizam de sequestros, assaltos a banco e tráfico de drogas como meio de sobrevivência. A estrutura do grupo está centralizada atualmente em Buenos Aires, na Argentina, mas com ramificações em vários Estados, entre as quais, as mais fortes estão no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo dessas organizações no Brasil é o sequestro, e o alvo são personalidades que possam render alguns milhões de dólares por operação. Os executores das ações são ativistas de esquerda, recrutados na América Latina e Europa.

Um organograma em poder das polícias estadual e Federal demonstra
que as organizações se alimentaram de informações repassadas por ativistas infiltrados em entidades não governamentais estrangeiras com sede no Brasil para realizar sequestros. Junto com uma lista de 12 entidades chilenas, estão cerca de 60 nomes, entre estrangeiros e brasileiros, que teriam algum vínculo com os grupos que agiram nos sequestros do banqueiro Antônio Beltran Martinez (1986), do publicitário Luís Sales (1989), do empresário Abílio Diniz (1989), do publicitário Geraldo Alonso (1993), do banqueiro Ezequiel Nasser (1995) e, por
fim, de Washington Olivetto (2001).

A maior parte da organização, na avaliação policial, está preservada. É comandada por ex-revolucionários com treinamento em Cuba, passagem pelas guerrilhas da Nicarágua e El Salvador e atualmente, segundo as suspeitas mais fortes, estariam baseados em Buenos Aires e Montevidéu, onde se lava o dinheiro obtido no crime através de empresas de fachada. Essa rede contou com o apoio de vários brasileiros, alguns deles já conhecidos da polícia por suspeita de participação no caso Diniz. Na lista da polícia constam os nomes de Fausto Manuel Ferraz, Hector Hugo Hernandez, Maria Magdalena Castro da Rosa, Neill Bazarello Caires e outras duas mulheres, suspeitas de terem participado do sequestro de Washington Olivetto. Uma delas é Eva Katharina Baumgaertner, que teria morado no Rio Grande do Sul, mas de nacionalidade ainda duvidosa devido à multiplicidade de documentos usados. Num passaporte argentino, ela é a mesma mulher que a polícia apresentou como Maria Yvonne Braeckman, nome que também foi usado para identificar, erroneamente, Naila Tosta de Freitas, sexta personagem desse grupo.

Naila tem 42 anos, é gaúcha, 1,54m de altura, olhos e cabelos castanhos, foi casada e tem um filho com um integrante do Movimiento de Izquierda Revolucionário (MIR), do Chile. Naila é parecida com a mulher que contratou a empresa de motoboys, que entregou encomendas na casa de Olivetto, mas os indícios mais fortes a ligam ao caso Diniz. Ela foi reconhecida pelo vendedor da loja onde foi comprada a Caravan usada no sequestro do empresário. Num dos imóveis alugados pelo grupo, a polícia encontrou uma ficha médica, emitida pelo oftalmologista Peise Kogan. A polícia tem três fotografias da moça e, em todas, ela aparece com a fisionomia diferente. “Essa mulher é uma mutante”, diz o delegado Wagner Giudice, da Divisão Especializada Anti-Sequestro (Deas). “A falta de sequência nas investigações que fizemos na época foi um erro”, diz o delegado Fernando Costa, ex-chefe da Deas e coordenador da equipe que prendeu, em 1989, os sequestradores de Diniz.

Até o Carnaval deste ano, Naila tinha endereço certo em Porto Alegre e seu nome era conhecido da polícia desde janeiro de 1989, quando ela retirou uma segunda via da carteira de identidade, em São Paulo. Fotógrafa, especialista em computação gráfica e intérprete, Naila foi vista andando com desenvoltura na sede do Fórum Social Mundial no início de fevereiro. Lá, chegou a atuar como tradutora do psicoterapeuta boliviano Osvaldo Chato Peredo, um dos sobreviventes da guerrilha montada naquele país por Ernesto Che Guevara. Naila também atuava no Sul como representante da Associação Latino-Americana para os Direitos Humanos (ALDHU), entidade sediada em Quito, no Equador, que reúne em sua direção ex-presidentes civis da América Latina.

Naila é filha de Eni Talva Tosta de Freitas, uma bancária aposentada, com longa militância na esquerda gaúcha. Hoje aos 68 anos, ela mora em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre. Eni foi perseguida e presa depois do golpe militar de 1964. Em 1966, depois de passar pelo PCB, ela se exilou no Uruguai. De lá seguiu para o Chile e, depois, para Cuba, onde trabalhou na Rádio Havana Livre, até regressar ao Brasil, em 1988.