chamada.jpg 

Por mais que nos esforcemos para evitar chavões amarrotados, o Brasil é mesmo um país sem memória. E, se por um lado há muita coisa em nosso passado que talvez não mereça mesmo ser lembrada, há, por outro, uma infinidade de fatos e pessoas geniais que as camadas de tempo e nossa precária capacidade de documentação e de difusão da cultura nacional vão cuidando de esconder das gerações mais novas.
O homenzinho da foto ao lado, que carregava o incomum nome de Togo Renan Soares, é uma dessas personagens cuja história devíamos estudar nas escolas.

O imponente nome de batismo, dado em homenagem a um almirante japonês (Togo) e a um filósofo francês (Renan), não conseguiu impedir que, ainda garoto, ganhasse dos amigos o apelido de “Canela”, em função das canelas finas que ostentava.
Absolutamente apaixonado por esportes, o paraibano Kanela (ele mesmo resolveu adotar a inicial K no apelido, naquela que sem querer talvez tenha sido uma das primeiras iniciativas de marketing pessoal no esporte brasileiro) não era exatamente brilhante na prática de nenhum deles. Sim, ele chegou a jogar futebol, mas sua astúcia, seu espírito guerreiro e persistência, levaram-no rapidamente a deixar o front e partir para atuar no campo estratégico.

Kanela começou como técnico das equipes de base de futebol do Botafogo. Em 1929, chegou a dirigir a equipe principal do clube, além de ter sido também um bom treinador de polo-aquático do mesmo alvinegro carioca. Em 1944, mudou de clube, assumindo o time de futebol da Gávea. É atribuída a ele por exemplo, a revelação do zagueiro Domingos da Guia, outro gênio pouco lembrado. Mas foi dois anos depois aquela que talvez tenha sido a grande virada em sua biografia. Kanela passou a responder pela equipe de basquete do clube vermelho e preto carioca. Dali em diante, se descortinou uma das mais brilhantes carreiras de um brasileiro no mundo do bola ao cesto, como era chamado à época.

Com seu estilo paternal, acompanhando não só os treinos, mas as vidas pessoais, as famílias, a alimentação e até os problemas de transporte de seus jogadores, Kanela conseguiu montar conjuntos literalmente imbatíveis que conquistaram resultados impensáveis para o esporte brasileiro de meados do século passado. Para enumerar apenas alguns feitos do pequeno gigante paraibano: 12 vezes campeão carioca pelo Flamengo, duas vezes campeão mundial à frente da seleção brasileira (1959 e 1963), outras duas vezes vice-campeão mundial (1954 e 1970), uma prata e dois bronzes no Pan e nada menos do que bronze olímpico para o Brasil nos jogos de Roma em 1960. Mencionar todos os seus títulos e principalmente todas as suas façanhas ao lado de diferentes gerações de atletas excepcionais do naipe de Wlamir, Amaury, Rosa Branca e Algodão, entre tantos outros, não deixaria páginas para mais nada nesta revista.

Justiça seja feita. Felizmente, há pelo menos dois livros publicados sobre a vida de Soares ( “A Era Kanela”, de Maria Célia Kanela e Pedro Zamora, e “Kanela, um Eterno Campeão! Lições e Recordações de um Grande Desportista”, editado por Eduardo Monteiro), que nasceu em 1906 e faleceu em dezembro de 1992. Mas talvez um dos maiores responsáveis pela perpetuação e celebração da memória de um dos mais brilhantes homens do esporte brasileiro seja um outro Soares, que menciona e homenageia com frequência as realizações e a genialidade do eficiente e severo técnico para milhões de pessoas na televisão: seu sobrinho Jô Soares.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente