A educação brasileira agoniza. Quem atesta o quadro é justamente o encarregado de administrar o ensino, ou seja, o Ministério da Educação (MEC). As dimensões dessa tragédia acabam de ser delineadas em pesquisa divulgada pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, o Saeb, centro vinculado ao MEC. De acordo com o levantamento, o espantoso porcentual de 95% dos alunos da quarta série do ensino fundamental (entre a primeira e a oitava série) apresenta desempenho abaixo do mínimo admissível. Da quinta à oitava série, acreditam os educadores do MEC, a situação é semelhante. Em meio ao caos, há pelo menos uma boa notícia. Cada vez mais, empresas privadas se empenham em ajudar o governo na batalha contra essa grave defasagem construída nas últimas décadas. Em geral, as empresas se ancoram em fundações próprias ou em organizações não-governamentais. Projetos educacionais como os dos grupos Bradesco, Johnson & Johnson, Nike, Odebrecht, Orsa, Pão de Açúcar, Porto Seguro e Telemar iluminam caminhos. Eles aprenderam uma lição digna de nota dez: não esperar de braços cruzados o Estado tentar, sozinho, dar vida ao que sobrou dos escombros.

As parcerias começam a se espalhar pelo País. E os especialistas aprovam. “Vejo com entusiasmo a participação de empresas nessa tarefa”, revela o ministro da Educação, Cristovam Buarque. “Ainda é pouco, mas esses projetos podem incentivar uma participação cada
vez maior”, completa. “A disposição dos empresários de relacionar a imagem de seus grupos a projetos educacionais de qualidade aumenta a cada dia”, atesta a consultora Patrícia Rousseaux, diretora da empresa KlickEducação, especializada no desenvolvimento de projetos educacionais. “Esses empreendedores percebem que as crianças e as famílias envolvidas não são os únicos beneficiados. O ganho institucional também é muito significativo”, explica.

Pioneirismo – Esses apoios nunca foram tão necessários. Grande parte dos alunos das escolas públicas simplesmente não consegue entender o que lê ou passar para o papel uma frase elementar. Submetê-los a um ditado breve – e vê-los enfileirando letras sem o menor sentido – é cena de cortar o coração e, infelizmente, comum. Por isso, investimentos como o da Fundação Bradesco merecem elogio. Uma das pioneiras nesse campo, inaugurou a primeira unidade de ensino há quase 50 anos, nas proximidades de sua sede, em Osasco (SP). Hoje, mantém escolas próprias em todos os Estados e no Distrito Federal. As 39 unidades de primeira linha atendem mais de 105 mil alunos.

Como o critério para oferecer o serviço é a carência da região, a escola da fundação no Distrito Federal foi instalada em Ceilândia, a mais populosa das cidades-satélites de Brasília. Talyson Correa, sete anos, aluno da primeira série, começa a exibir em casa os frutos da
boa educação recebida. “Ele escreve todas as cartas que mandamos para o Nordeste”, conta orgulhosa a mãe, Maria do Socorro, 35 anos.
Há quatro meses no curso de alfabetização para adultos no mesmo local, ela fez questão de se aprontar para a fotografia de ISTOÉ. “Mal sabia meu nome, mas agora desandei a escrever”, diz. “Isso aqui é o máximo.” Outro entusiasta da ampla escola, instalada em um terreno de 72 mil metros quadrados, é o motorista aposentado Francisco Pereira da Silva. Sua filha mais velha, Francislana, terminou lá o curso médio. Os outros dois filhos, Francisclei e Franklene, estão seguindo o mesmo caminho. Não bastasse, Francisco e sua mulher, Maria Patrocínio, voltaram a estudar. “Dizem que papagaio velho não aprende a falar, mas não é verdade”, atesta o motorista.

Os resultados obtidos pelo grupo Pão de Açúcar não são menos animadores. A empresa oferece, desde 1998, uma série de programas educacionais a crianças e adolescentes cuja renda familiar não ultrapasse R$ 700. Entre os 35 mil beneficiados estão Rayanne Braga Magalhães, 14 anos, e José Eduardo da Silva Filho, um ano mais velho. Eles frequentam cursos da Casa Terra do Sol, em Fortaleza, um dos sete espaços implantados pelo grupo no País. De olho numa vaga no mercado de trabalho, José Eduardo participa do programa futuro@eu, voltado para a preparação profissional. Rayanne está há mais de três meses no programa Nossa Língua Digital, que usa a internet para discutir temas do cotidiano e aprimorar o domínio do português. “É impressionante como a gente melhora a linguagem”, diz Rayanne. “Trocamos mensagens com colegas que nunca vimos e moram longe, até em São Paulo.” Uma das metas do programa de um semestre é a produção de uma revista eletrônica a partir dos textos e pesquisas feitos pelos garotos. No caso de Rayanne, houve até mudança em sua relação com o pai, que trabalha com sucata. “Por causa da internet, comecei a dar mais importância à reciclagem”, confidencia.

Energia solar – O poder da rede de computadores também pode ser medido por uma experiência desenvolvida em Almécegas, comunidade sem energia elétrica a 50 quilômetros de Fortaleza. Na esteira de uma parceria entre a Telemar e a escola local, os 176 estudantes locais entram na internet através de um centro digital movido a energia solar. Por isso, mesmo sem acesso a um aparelho de telefone, Daiane Alves da Costa, 11 anos, aluna da quarta série, trocou e-mails com ISTOÉ para contar a revolução feita pela internet em sua vida. “Antes conhecia apenas os livros”, escreveu a garota. Filha de pescador, Daiane tem nove irmãos e remotas chances de viajar. Com a internet, garante, seus “conhecimentos do mundo” aumentaram muito. Não a ponto de se desligar de um desejo acalentado desde pequena. “Sonho em ser futuramente uma cantora”, registrou a garota, com pompa, na mensagem. Criado pela Escola do Futuro, da Universidade de São Paulo, o projeto desenvolvido pela Telemar em Almécegas está espalhado por 16 Estados.

Esse mutirão a favor do saber vem gerando grupos especializados. A Fundação Orsa, por exemplo, concentra suas forças na pré-escola.
Além de editar uma cartilha de apoio na implantação de sistemas  municipais de educação infantil, ela banca um concurso anual para premiar os melhores projetos de educadores municipais no País. Não satisfeita, administra desde 2001 toda a educação infantil em Caraguatatuba, município de 80 mil habitantes do litoral norte paulista.  Pelo acordo, a Orsa recebe da prefeitura o espaço físico e R$ 107,46 mensais por cada criança matriculada. Em troca, contrata, treina e recicla professores e funcionários das 11 escolas infantis da cidade.

ISTOÉ visitou uma delas, em Olaria, um dos bairros mais carentes da cidade. Com instalações limpas, atividades bem planejadas, integração dos pais e um sério programa de alimentação, a escola não deixa nada a dever a uma boa creche particular. Em 2000, o sistema pré-escolar da cidade atendia 231 crianças. Hoje, abriga quase três mil. “Esse projeto conquistou a população. É um dos nossos maiores orgulhos”, diz o prefeito Antonio Carlos da Silva (PSDB). “Gastamos cerca de R$ 4 milhões neste projeto. Temos condições de levar esse trabalho a mil municípios nos próximos anos”, diz Sergio Amoroso, criador da fundação e acionista principal das empresas de papel e celulose que sustentam a instituição com 1% do faturamento bruto. No ano passado, foram R$ 10,4 milhões dedicados à fundação.

O ensino pré-escolar atrai também as atenções da seguradora Porto Seguro. Através do projeto Crescer Sempre, a empresa atende 610 crianças de quatro a seis anos em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, um dos maiores e mais carentes bairros da cidade. “Trabalhamos ainda com escolas públicas, em suas salas de leitura”, diz a coordenadora Terezinha Paladino. O sucesso é tamanho que crianças e adolescentes estão se tornando contadores de história. Além de participar das atividades das salas de leitura nas escolas, eles fazem um curso específico na sede do Crescer Sempre antes de alegrar, com suas apresentações, a vida de outras crianças da região.

Gol de placa – No outro extremo da capital paulista, num bairro pobre da zona norte chamado Vila Albertina, e na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, os exemplos a serem seguidos vêm de um supertime de empresas liderado por dois craques eternos: Raí e Leonardo. Amigos inseparáveis, os dois, campeões mundiais pelo São Paulo, tetracampeões na Copa de 1994 e ex-companheiros no time francês Paris Saint-Germain, racharam US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 3,5 milhões) no final de 1998 para criar a Fundação Gol de Letra, uma das mais bem-sucedidas experiências de inclusão social e de ensino fundamental complementar já realizadas no País. A fundação conta com doadores individuais, mas boa parte dos R$ 2,4 milhões do orçamento anual vêm de empresas como Johnson & Johnson, Nike, American Express e BNP Paribas. Hoje, funcionários e voluntários das duas unidades descobrem talentos e despertam vocações entre cerca de 900 crianças e jovens a partir dos sete anos, com um trabalho baseado em aprimoramento da leitura e dos recursos da língua portuguesa, arte e esporte. “Léo e eu tínhamos idéia do que queríamos fazer, mas não relacionávamos aquilo ao que estava sendo chamado de terceiro setor”, conta Raí. “Essa consciência veio graças à ajuda preciosa de grupos como o Instituto Ayrton Senna e a Fundação Abrinq”, completa.

Na área rural, um dos destaques é o trabalho da Odebrecht em escolas públicas do sul da Bahia. A construtora investe em praticamente todos os setores do ensino, da melhoria dos prédios a inovações metodológicas como o ensino interativo. Uma das principais referências do projeto, a cidade de Igrapiúna conta com uma escola profissionalizante voltada para as necessidades locais, em especial a agricultura. São exemplos de uma série de atitudes nobres. Mas, infelizmente, há muito a fazer. Na avaliação do ministro Cristovam Buarque, existe ainda muito espaço para outras ações da iniciativa privada. Está coberto de razão. Recentemente, uma pesquisa coordenada pela socióloga Anna Maria Peliano, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), mapeou a ação social das empresas no País. De acordo com o estudo, a educação é a quinta opção de investimento do empresário brasileiro. Recebe menos de 20% dos recursos e fica atrás até do esporte. Se educar é também dar exemplos de boa conduta, como deixa entender o ministro, esses exemplos estão aí, claros, para quem quiser ver.