Especialista em análise de risco, o americano Jim Wygandafirma que o Brasil está mais perto dos países desenvolvidosdo que dos emergentes

Formado em economia pela Universidade da Carolina do Norte, o americano Jim Wygand desembarcou pela primeira vez no Brasil em março de 1965 por motivos emocionais. Abalado com o assassinato do presidente John Kennedy, dois anos antes, deixara a faculdade de letras para engajar-se em trabalhos humanitários. Como voluntário do Peace Corps, a organização idealizada por Kennedy quando ainda era senador, Wygand trabalhou e morou na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. No morro, acabou se interessando pela política econômica dos chamados países emergentes. Voltou para estudar nos Estados Unidos, mas nunca mais se desligou dessa parte do mundo. Especializado em analisar e gerenciar situações de risco, nos últimos dez anos comandou no Brasil os trabalhos da empresa americana Kroll e, depois, da sua principal concorrente, a inglesa Control Risks. “A análise do Brasil acabou virando minha profissão”, comenta Wygand. Convencido de que entender o jeito brasileiro de gerenciar é fundamental para que o investidor tenha sucesso por aqui, Wygand acaba de criar sua própria empresa, a Risk Solutions Group, com sede em São Paulo.

ISTOÉ – Como foi o seu primeiro contato com o Brasil?
Jim Wygand

Vim num grupo de 20 jovens americanos, em março de 1965, enviado pelo Peace Corps para trabalhar em comunidades carentes. Na época, o Peace Corps também tinha projetos em Serra Leoa, na África. Sorte minha ter sido escolhido para o Brasil. Descemos no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Na época, parecia cenário do filme Casablanca. Fui morar na favela do Jacarezinho. Dessa experiência nasceu meu interesse pela política econômica dos países emergentes. Com o tempo, o Brasil acabou virando minha profissão.
 

ISTOÉ – De lá para cá, são 38 anos. O que mudou nesse período?
Jim Wygand

Quando cheguei pela primeira vez, 50% da pauta de exportação era o café. O Brasil era essencialmente produtor e
exportador de commodities. Cerca de 75% da população morava em áreas rurais. Dez anos depois, quando voltei em 1975, 75% dos brasileiros viviam em áreas urbanas. Hoje, o índice de moradores
urbanos é ainda maior. Na pauta de exportações, 57% são produtos manufaturados. O café responde por mais ou menos 2%. O Brasil tem, sem dúvida alguma, o setor agrícola mais moderno do mundo. A herança colonial ficou para trás.
 

ISTOÉ – E, depois de tanto tempo fazendo análises sobre a economia brasileira, o sr. decidiu virar concorrente da Kroll e da Control Risks?
Jim Wygand

Espero que não. Quero entrar nas lacunas que existem na área. Pretendo aplicar as idiossincrasias. O Brasil tem uma maneira de agir, uma forma própria de gerenciamento, que precisa ser incorporada na análise de risco para os investidores. A idéia é apresentar um modelo alternativo, que leva em conta essa questão da brasileirice do modelo.

ISTOÉ – Por que prefere essa abordagem?
Jim Wygand

 Os investidores internacionais que triunfaram no Brasil são
os que se esforçaram para entender as singularidades do País. Os que fracassaram são aqueles que evitaram as turbulências geradas
por instabilidades de curto prazo. Eles não entenderam que esses fenômenos se devem muito mais às rápidas mudanças do que às fraquezas da economia brasileira.
 

ISTOÉ – E o que o sr. está dizendo aos seus clientes?
Jim Wygand

Primeiro, que a instabilidade reportada lá fora é muitas vezes fictícia. Basta olhar para a história. A tendência do Brasil é de se comportar direitinho no longo prazo. Além disso, acredito que as rápidas transformações dos últimos 40 anos mudaram a referência como o país do futuro. O Brasil é, de fato, o país do presente.

ISTOÉ – Qual o maior atrativo do País?
Jim Wygand

 É justamente o potencial que oferece. O período de modernização criou um mercado, uma classe consumidora. Criou também uma expressiva classe gerencial. Um dos segredos da economia moderna é a existência de executivos que gerenciam o capital sem ser os donos desse capital. Nesse ponto, o Brasil atingiu a modernidade e é altamente competitivo. O presidente mundial da General Motors, Richard Wagoner, comandou a GM do Brasil durante vários anos. O presidente mundial do Banco de Boston era um brasileiro (Henrique Meirelles, atual presidente do Banco Central). Por outro lado, não é um lugar barato para operar. Os impostos são altos. A mão-de-obra, embora o operário ganhe pouco, é cara, por causa dos custos sociais. E a classe consumidora é exigente.
 

ISTOÉ – Como assim?
Jim Wygand

A fama de que o brasileiro compra qualquer coisa não corresponde à realidade. O brasileiro é muito conservador nas suas compras, particularmente a mulher brasileira. Ela não age por impulso. Só compra um produto quando tem certeza de que vai fazer bem a seus filhos. O que mudou nos últimos tempos foi a velocidade da entrada de produtos novos. A ponderação continua a mesma. Como a transformação foi muito veloz, as decisões são tomadas de forma mais rápida.
 

ISTOÉ – Na sua opinião, quais são os maiores riscos apresentados pelo Brasil?
Jim Wygand

A curto prazo, há incógnitas sobre a consolidação das mudanças. A reforma fiscal está sendo disputada. As reformas da Previdência e do código trabalhista ainda não estão decididas. Há também a necessidade de se definir o Estado como separado do governo. Isso ficou um pouco capenga no Brasil. O Estado é permanente. O governo manipula o Estado para seus fins políticos enquanto estiver no poder. Mas tem certas coisas dentro do Estado nas quais não se toca.

ISTOÉ – Por exemplo?
Jim Wygand

A questão de agências reguladoras das companhias privatizadas. De repente, parecem uma extensão do Estado. Isso ainda não está bem definido. E o investidor quer saber as regras do jogo. Com a eleição do Lula, a taxa de risco Brasil foi para o teto por causa da ameaça de revisão nos contratos de privatização.
 

ISTOÉ – Isso não passou de especulação…
Jim Wygand

 Mas tumultuou tremendamente o mercado. Uma das minhas funções foi desbancar essa mitologia. O erro fundamental das companhias foi anterior – fazer financiamentos em dólar, com o câmbio a um por um, na crença de que não mudaria. Não havia nenhuma razão para se acreditar nisso, pois o Brasil tem uma história de déficit público que pressiona essa taxa. Com os rumores sobre a revisão dos contratos de privatização, houve muito fuzuê por causa de nada.
 

ISTOÉ – Mas o déficit público não é um fantasma permanente?
Jim Wygand

 É mais que um fantasma, é um risco real. O Brasil tem gerenciado o problema. Porque, déficit por déficit, os Estados
Unidos estão muito piores do que o Brasil. Estão com déficit de
meio trilhão de dólares e ainda nem terminaram de começar o
processo de reconstrução do Iraque. Projetando para o futuro, o
déficit americano me preocupa muito mais do que o déficit brasileiro.
Até porque o Brasil hoje apresenta superávit primário (receitas menos despesas, descontada a dívida pública).
 

ISTOÉ – Então o sr. avalia de forma positiva o governo Lula?
Jim Wygand

Na parte econômica, eu tiro o meu chapéu. O presidente tem feito um gerenciamento de bom senso. Não tem dinheiro, não compra. Esse negócio de gastar o que não tem representa hipotecar o futuro. A gestão econômica e financeira deste país é exemplar. É verdade que à custa do crescimento, da geração de empregos etc. As pessoas se esquecem, mas, quando ele entrou, a taxa de inflação estava em 23%, sem correção monetária. Anualmente, perdia-se um quarto do ativo, do dinheiro, do poder de compra. E a inflação chegou até 32% em abril. A partir daí, começou a baixar.
 

ISTOÉ – E como o sr. está vendo o Brasil no cenário internacional?
Jim Wygand

 Separado do Lula, o Brasil ainda está um pouco nas sombras. A década de 80 foi perdida, os anos 90 começaram com o impeachment de um presidente e uma série de desarranjos sociais. Acredito que o Brasil agora está retornando ao mercado internacional – e só retornando – de uma forma positiva. Há certas vantagens comparativas que precisam ser negociadas. O Brasil é um criador de frango por excelência. Então, não pode deixar que protejam o frango em nenhum lugar do mundo. Os governos militares defendiam que deveria haver conteúdo nacional em tudo. Na época, os americanos argumentavam que não fazia sentido produzir tudo. Que o Brasil deveria investir naquilo que faz bem. Agora, uma das descontinuidades da economia internacional é a proteção da indústria sem condições de competitividade. O subsídio só tende a piorar a situação. É preciso negociar uma solução de forma justa. Não do tipo “eu tenho a força”.
 

ISTOÉ – Então, no embate sobre a Alca, o sr. aposta na posição do Brasil?
Jim Wygand

 Filosoficamente sim. Não sei em nível de detalhes. Porque não tenho acompanhado a posição em cada setor. Mas, fundamentalmente, é correto o argumento de ter o direito de colocar os produtos no mercado mundial sem proteção. Enquanto não houver uma solução prática em relação ao aço, ao frango e à soja, entre outros produtos, acredito que o Brasil tem de partir para relações bilaterais com a Rússia, Índia, China etc. Essa é uma aliança muito poderosa.
 

ISTOÉ – O poder de barganha do Brasil não se compara ao do americano.
Jim Wygand

O Brasil tem muito mais poder de barganha no mercado internacional do que tinha 20 anos atrás. E o poder de barganha americano está superestimado. Para entender isso, basta entrar em qualquer grande loja dos Estados Unidos e virar a etiqueta de qualquer produto. É tudo feito fora, nos chamados países emergentes. Na minha opinião, a interdependência da economia americana não permite atitudes unilaterais. Houve um comentário infeliz de um membro da administração dos Estados Unidos quando estava se discutindo o Iraque. Ele afirmou que ninguém iria dizer onde os americanos podem jogar suas bombas. Como não? Muitos vão dizer. Pode ser que não consigam impedir, mas vão dizer. Esse negócio de poder agir sem ser questionado está completamente fora de cogitação para qualquer país, por mais poderoso que seja, numa economia globalizada.
 

ISTOÉ – Por que o sr. defende que o Brasil é o país com maior potencial do chamado grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China)?
Jim Wygand

O Brasil tem uma série de vantagens, como uma classe gerencial expressiva e instituições consolidadas. A Rússia está reconstruindo até seu conceito de Estado. A Índia tem problemas em suas fronteiras com o Paquistão. A China é gerenciada por uma gerontocracia. Além disso, há problemas de etnias em várias regiões.
 

ISTOÉ – Mesmo assim a China é o país queridinho do mercado internacional…
Jim Wygand

É o outro lado da moeda. Uma das coisas que trabalham contra o Brasil é o próprio progresso. Ele está no limiar entre os desenvolvidos e os emergentes. Um operário do ABC (região industrial paulista) jamais vai trabalhar pelo salário de um operário chinês. Então, é mais fácil e mais barato investir na China. Agora, o problema da instabilidade institucional na China é muito maior do que no Brasil. Mas, no agronegócio, o Brasil é o queridinho do mundo. É o mais produtivo. A questão é buscar esse mesmo nível de produtividade na área industrial. Se tivesse que selecionar um país para ser incluído no clube, eu escolheria o Brasil.

ISTOÉ – Com quais argumentos?
Jim Wygand

O Brasil está mais perto dos países desenvolvidos do que dos emergentes. E tem se comportado bem, apesar das críticas que se fazem. Criticaram, por exemplo, o fato de o Lula ter usado a palavra ocupação para definir a presença dos Estados Unidos no Iraque. A França já usou esta expressão. A Alemanha já usou. A ONU já usou. Qual o problema de o Lula usar também? O Brasil não se percebe mais como um país subdesenvolvido. Reserva-se o direito de dizer o que acha. E, pela primeira vez, sua opinião tem algum peso. Lula é uma figura internacionalmente respeitada.
 

ISTOÉ – Como esse respeito está sendo conquistado?
Jim Wygand

 No início, era uma incógnita muito grande. Na América
Latina, os governantes chegavam ao poder através de golpes ou
porque eram parte da elite. Lula quebrou essa tradição. Ele não tem bacharelado, não foi professor universitário, nada disso. É simplesmente um homem inteligente, capaz, que se colocou como um negociador de nível internacional. Ele me lembra Harry Truman, o vice que assumiu quando o presidente Franklin Delano Roosevelt morreu, em 1945. Truman era dono de uma loja no Missouri. E acabou mostrando que tinha capacidade de governar aquele país.
 

ISTOÉ – Ainda em relação ao presidente Lula: como o sr. avalia essa visita aos países árabes?
Jim Wygand

Esse é o momento de definir mercados nos quais o Brasil pode penetrar eficientemente. A declaração dos Estados Unidos de que vai agir unilateralmente, que se reserva o direito de intervir em países cujas atitudes não estejam de acordo com o conceito de segurança nacional americana, está criando uma oportunidade comercial para o Brasil. O Oriente Médio é um mercado natural para o País. Primeiro, pela própria geografia. Cortando a África pelo sul e subindo, está bem perto. Logisticamente, faz sentido. Comercialmente faz sentido porque eles têm dinheiro. Politicamente faz sentido porque o Brasil não tem posição de ingerência nos países deles. O Brasil tem sempre proposto soluções não-violentas. O negócio é ir em frente.