Um amplo acordo político entre o Palácio do Planalto e os partidos de oposição no Congresso Nacional viabilizou a aprovação final do texto básico das reformas tributária e previdenciária pelo plenário do Senado na quinta-feira 11, nos moldes defendidos pelo governo. Para superar os impasses políticos, criou-se no Senado uma figura jurídica nova: o Projeto de Emenda Constitucional com tramitação paralela, que começa a ser discutido antes mesmo da votação da emenda principal. Com a nova engenharia legislativa, todos os itens polêmicos que provocaram atraso nas votações foram jogados em dois projetos de reforma constitucional alternativos, um para a Previdência e outro para os tributos. Esses projetos serão enviados à Câmara para nova votação. Com as emendas paralelas, o governo anulou a oposição na sua bancada exercida pelo senador Paulo Paim (RS) – a senadora Heloísa Helena (AL) não é mais contabilizada como membro da bancada pelos petistas – e acomodou os interesses do PFL e do PSDB, oposicionistas formais.

A emenda paralela da Previdência, que acalmou Paim, prevê aposentadorias integrais para os servidores, aplicação do mesmo percentual de reajuste para ativos e inativos, além de um regime de transição para o funcionário que está próximo à aposentadoria. É tudo o que o governo não quer. Se as propostas de Paim forem aprovadas, podem anular parte das alterações feitas na semana passada pelo Senado. Paim topou o acordo, mas ameaçou protestar se o governo não apoiar as mudanças propostas por ele. “O presidente Lula terá de cumprir este acordo, sob pena de se desmoralizar”, avisou. Para fechar o acordo com o PFL e os tucanos na reforma tributária, os governistas jogaram para a emenda paralela a cobrança de Cofins sobre os produtos importados, o aumento da participação dos municípios na divisão dos impostos, a unificação do ICMS e a fusão do IPI, Cofins, Pasep e PIS no Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

A utilização desse artifício evitou que o governo chegasse a 2004 sem aprovar a reforma, o que impediria a cobrança de novos impostos já em janeiro e poderia comprometer a arrecadação da CPMF, considerada por governistas e oposicionistas fundamental para o fechamento das contas públicas. A saída, então, foi aprovar a emenda original como chegou ao plenário, promulgá-la e deixar para depois os pontos polêmicos. “Este mecanismo ajudou o governo a aprovar as emendas ainda este ano, mas pode ser uma armadilha se os acordos não forem confirmados depois”, alertou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM). A solução já enfrenta resistências entre os deputados, responsáveis por novas discussões e votações, com a tramitação das duas novas emendas contendo o rescaldo das votações da semana passada. O líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Magalhães Júnior (BA), afirma que os conflitos entre governo e oposição não serão resolvidos com esses artifícios: “Aqui na Câmara não vai passar.”

Expulsão – As duas emendas aprovadas foram o motivo da expulsão de três deputados que votaram contra os projetos do governo na Câmara – João Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE) – e de Heloísa Helena (AL), que também fez oposição no Senado. Outros 30 deputados petistas dissidentes já foram punidos com advertências e estão sob observação da direção do partido. Mesmo em crise interna causada pelos rebeldes e precisando da oposição para aprovar as duas reformas no Congresso, o governo termina o ano com saldo positivo. “Além de conseguir vencer o desafio maior, que era aprovar as reformas, reforçamos a base parlamentar no Senado”, comemorou o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP).

O Palácio do Planalto já preparou sua agenda para as votações no Congresso no próximo ano. Ainda no primeiro trimestre de 2004, o presidente Lula enviará outras três propostas de alterações constitucionais – a que tratará da reforma no Poder Judiciário, a que modernizará a estrutura sindical e a reforma política que deverá criar a fidelidade partidária. Além desses temas, é intenção do governo aprovar a lei de falências, atualmente em tramitação na Câmara, e criar toda a regulamentação do setor elétrico, considerada a mudança mais importante para contribuir com a retomada do crescimento econômico. Além disso, o Senado terá que criar uma nova legislação para a cobrança do ICMS, que terá legislação única, e aprovar leis complementares para que a reforma tributária seja implantada sem um pesado aumento nos tributos. Polêmica não vai faltar.

 

Tasso elogia

Pela primeira vez em quase uma década, paz entre tucanos e
petistas. O cupido foi o acordo fechado na semana passada entre governistas e oposição que possibilitou a aprovação, em primeiro
turno no Senado, da reforma tributária. Estrela do tucanato, o
senador Tasso Jereissati (CE) abandonou as críticas ácidas e na quinta-feira 11, em entrevista ao programa Bom Dia Brasil, da Rede Globo, elogiou o governo e a capacidade de negociação dos petistas. “Podemos dizer que, em etapas, estamos fazendo uma verdadeira revolução tributária no Brasil.”

Um dos maiores empresários do Nordeste e ativo articulador da reforma tributária, o que mais empolgou Jereissati foi o desenho modernizador que substituirá, em quatro anos, os 17 artigos da Constituição que regulam a arrecadação e a divisão do bolo tributário. Mesmo constatando que não haverá redução de carga de impostos no próximo ano, o tucano está otimista: “Vamos ter a primeira etapa de ajuste de caixa. A segunda, de transição e melhoria, já de retrocesso da carga tributária, e uma terceira estruturante, criando no País um sistema tributário verdadeiramente moderno.”

Compreensivo com o governo, Tasso justificou a implantação do novo sistema tributário. “É impossível fazer uma reforma dessa profundidade em um ano só.” E explicou: “Em 2005 e 2006 começaremos a ter uma leve redução, já prevista no próprio contexto em que são colocados os gatilhos que obrigam a uma redução da carga tributária. E no terceiro momento, em 2007, o Imposto sobre Valor Agregado. Todos os impostos vão desaparecer e se juntar ao redor do IVA.”

L.B.