Depois de 11 anos sem gravar, Wanderléa volta com novo álbum, O amor sobreviverá, e anuncia outros planos. Prepara um show em grande estilo e promete que, no final do primeiro semestre de 2004, vai finalmente lançar a autobiografia Soltando os laços. A renda do disco será destinada à entidade beneficente Pequeno Cotolengo, que atende crianças e adultos com necessidades especiais. A primeira tiragem de cinco mil exemplares se esgotou rapidamente com venda exclusiva pela internet e na própria instituição. Diante da procura, a gravadora BMG assumiu nova tiragem que começa a ser distribuída por todo o Brasil.

Várias das canções foram selecionadas a partir dos shows da cantora. Trazem sucessos dos tempos da jovem guarda e duas composições inéditas assinadas por ela. A faixa-título é uma homenagem ao filho Leonardo, morto por afogamento na piscina de sua casa, em fevereiro de 1984. Hoje, aos 57 anos, a mineira de Governador Valadares está em paz com a vida e é exemplo de mulher à prova do tempo. Wanderléa recita uma receita básica: não fuma e tem uma boa alimentação. “Sou natural. Passo bucha vegetal e vinagre de maçã no corpo, de manhã e à noite, e tomo banho frio. Não adianta emplastar de creme ou fazer plástica se não cuidar da alma.” Wanderléa deu a seguinte entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – Por que, mesmo sem gravar, você não cai no esquecimento?
Wanderléa –
Junto com Roberto e Erasmo Carlos marcamos uma
época. Fomos um acontecimento completamente novo no Brasil, isso compôs uma figura, uma personagem marcante para mim. Hoje, essa turma nova já chega com estereótipos, coreografias copiadas do
que se faz lá fora. Eu não tinha referencial. Não existia nenhuma
pop star feminina no mundo. Então, tinha uma naturalidade que
agradava. Os movimentos que eu fazia em cima do palco eram
inventados na frente do espelho, em casa. Meu irmão Bil desenhava as roupas. No Brasil, não existia um mercado diferenciado de moda para jovens. Eu esquentei o mercado jovem da moda, da música. E inovei bastante. Enquanto a saia da Mary Quant era um palmo acima do joelho, a minha era um palmo abaixo da pélvis.

ISTOÉ – Ganhou muito dinheiro?
Wanderléa –
Sim, ganhei, mas não tanto quanto seria hoje. E ganharam muito dinheiro a minha custa também. Nós éramos muito ingênuos. Para você ter uma idéia, fui boneca da Estrela. Para mim era uma homenagem. Não era um negócio! Olha a ingenuidade. A grife Staroup começou a fazer roupas inspiradas na gente, a indústria da moda como um todo passou a investir no estilo. Mas a gente nunca faturava nada.

ISTOÉ – Guardadas as devidas proporções, seu sucesso na época pode ser comparado ao da Xuxa?
Wanderléa –
Pode. Só que a Xuxa tentou pegar o adolescente e ele
não a acompanhou. Nós atingimos uma faixa maior, dos três anos em diante, incluindo o adolescente rebelde. Naquela época, nós éramos transgressores. Para usar uma minissaia como as que eu usava, dançar daquele jeito, não era fácil. No fim, acabamos atingindo a família inteira e até outros setores não tradicionais. Por exemplo, os gays, que me reverenciam até hoje, aonde quer que eu vá. Se o mercado jovem
do Brasil de hoje é promissor, deve a nós. Em São Paulo, os rapazes andavam de cinza, azul-marinho, camisa branca, sapato preto.
O Roberto e o Erasmo vinham com aquelas roupas vermelhas,
coloridas. O Roberto usava umas blusas de babado. E as minhas botas? Não tinha no mercado, eu mandava fazer.

ISTOÉ – Você não tinha problemas com seus pais?
Wanderléa –
Tenho descendência árabe e mineira. Para eles, realmente era um pouco demais. As mulheres não usavam calças compridas para trabalhar. Também fiz o primeiro nu grávida no mundo, sem saber. (Ela apareceu, em1985, com barriga de sete meses na capa da revista Status, da Editora Três, que publica ISTOÉ). Quando fizeram aquele estardalhaço todo porque a Demi Moore apareceu nua e grávida numa capa de revista, eu achei engraçado.

ISTOÉ – Quantos discos você fez?
Wanderléa –
Não sei. Nunca tive o compromisso de fazer um disco a cada dois anos. Não coloquei esse cabresto em mim. Vivo de fazer shows. Tenho um critério: não vou aparecer de qualquer jeito. Me chamam para falar de tudo, de beleza, de filhos, de unha encravada.
Não tenho interesse.

ISTOÉ – É sua estréia como compositora neste disco?
Wanderléa –
Eu já tinha feito alguma coisa muito timidamente. Veio mostrar eu fiz há 15 anos, mas nunca consegui incluir nos discos. Descobri que posso fazer sozinha um disco, não preciso ficar esperando a indústria me chamar. Não vou parar mais. A soltura desse trabalho me estimulou a liberar o resto, abrir a gaveta, desovar um belo show nacional e o meu livro, que só falta 20% para terminar.

ISTOÉ – É uma autobiografia?
Wanderléa –
Soltando os laços não é uma biografia com cronologia. São fatos que vivi, públicos ou não, que marcaram minha vida, me libertaram, fizeram me conhecer melhor, solucionar determinadas pressões psicológicas, ações. Eu mesma estou escrevendo. Falar na primeira pessoa não é fácil. Ainda não assinei com ninguém, mas lanço em 2004.

ISTOÉ – A música O amor sobreviverá foi escrita para o seu filho Leonardo, que morreu em 1984. Como foi cantar essa letra hoje?
Wanderléa –
Eu e o Lalo (Lalo Califórnia, marido dela há 23 anos) escrevemos essa canção quando o Leonardo estava vivo. Durante muitos anos, minha garganta travava quando tentava cantar. Só consegui distraindo, pensando em outra coisa. Mas não é uma emoção de tristeza, é de beleza. Hoje, penso que essa música passa uma mensagem bonita. Comecei a aprender sobre a vulnerabilidade do ser humano. Outra grande lição é quando digo, na música, que “a Terra continuará a girar”. Parece que sou eu falando para mim mesma. Vejo a Jade (16 anos) e a Yasmin (18), duas lindas filhas que Deus me deu, e entendo o refrão. Tive gravidez tubária. Não imaginei que ainda pudesse ter mais filhos depois do Leonardo. Mas temos que seguir em frente. A vida é como um riacho. Se deixar entulho, daqui a pouco fica tudo entupido.