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Ao cruzar a linha de chegada do Ecomotion/Pro 2008, que este ano valeu também como o campeonato mundial da categoria (AR World Championship), a equipe brasileira Oskalunga Sundown não conteve a euforia. O quarteto chegou à praia de Jericoacoara, no Ceará, por volta das 13h da quinta-feira 6, depois da largada em Paulino Neves, cidade na região dos Lençóis Maranhenses, no domingo 2. Era o quarto lugar, mas a melhor colocação já alcançada pelo Brasil na prova que reúne os atletas mais resistentes do planeta. A competição passou pelos Estados de Maranhão, Piauí e Ceará, num trajeto de 520 quilômetros que incluiu trekking, caiaque, ciclismo, vela, escalada, rapel e travessia.
Além do desgaste do corpo, eles sofreram com poucas horas de sono, fome, sede e um calor que bateu os 52 graus em um dos trechos do percurso. São atletas que chegaram ao máximo do limite físico e mental, algo que para a maioria das pessoas seria puro sofrimento. O que leva homens e mulheres a viver, por vontade própria, dificuldades extremas e até correr riscos? Frederico Gall, da Oskalunga, dá uma pista de como os corredores de aventura pensam: “Não entendo a palavra ‘difícil’. Não faz parte do meu dicionário”, afirma.
Atletas de corrida de aventura têm um prazer único em superar a si mesmos. Segundo a psicóloga desportiva Mara Raboni, pesquisadora do setor de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entre as características comuns desses esportistas estão competitividade, perseverança e determinação elevadas, capacidade de superar adversidades, boas habilidades cognitivas, como concentração e atenção. “Eles também apresentam afinidade por tarefas arriscadas, bons níveis de humor e não demonstram aspectos de ansiedade e depressão”, diz.
Para o neozelandês Geoff Hunt, idealizador do campeonato mundial, estar em uma corrida de aventura é o equivalente a participar três vezes seguidas do Ironman, a prova mais difícil do triatlon, que engloba corrida, natação e bicicleta. “Mas não adianta ser só fisicamente forte. Isso todos eles são. A cabeça não pode fraquejar. Equilíbrio psicológico é o trunfo dos vencedores”, disse à ISTOÉ.
Além do cansaço óbvio, a serenidade e o companheirismo eram visíveis entre algumas equipes que chegaram nas primeiras colocações. “Senti dor sim. Mas fui em frente porque minha equipe é fantástica”, disse Anna Berthelsen, atleta da Orion Health, da Nova Zelândia, que ficou em primeiro lugar, ao chegar ao pódio. A Sole, dos Estados Unidos, terceiro lugar e formada por dois casais, também demonstrava cumplicidade e bom humor. “Temos respeito uns pelos outros. E isso é muito importante”, disse a atleta brasileira Nora Audrá, que faz parte da Sole – e casou dias antes da largada em Jeri, com o companheiro de equipe Ian Edmond.

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Passar dificuldades ao extremo na prova ajuda as pessoas a desenvolver compreensão, humildade, capacidade de lidar com o outro e com o stress, afirma o bacharel em esportes pela Universidade de São Paulo (USP) Aulus Sellmer, diretor técnico da 4any1, empresa de treinamento para corridas. “Se um está cansado e o outro não, alguém vai ter que se adaptar. Já vi brigas graves na corrida, das pessoas se separarem. Mas, no geral, esse atleta leva para o cotidiano dele tudo o que vive durante a competição. E se torna um ser humano mais acessível em todos os relacionamentos.”
Sellmer destaca a capacidade das mulheres de suportar melhor a fadiga do ponto de vista mental. Ele lembra o que aconteceu com Silvia Guimarães, a Shubi, da equipe Motorola SOS Mata Atlântica. Atleta brasileira que mais participou de corridas de aventura nacionais e internacionais – cerca de 80 –, Shubi chegou com a equipe por volta das 8h da quarta-feira 5 na praça Clovis Bevilaqua, no centro da cidade de Viçosa, região serrana no Ceará, um dos pontos de transição entre uma prova e outra, com uma infecção no pé. “Essa bolha não pára de crescer”, disse, com lágrimas no rosto, enquanto um dos membros de apoio da equipe lhe fazia um curativo. Shubi foi até o fim da competição, terminando em 19º lugar. “Se fosse um homem, desistia”, garante Sellmer. Para ele, a tendência é o esporte ter cada vez mais mulheres. Por enquanto, é obrigatório que as equipes tenham pelo menos uma atleta.
Mesmo capazes de ir além daquilo que os simples mortais imaginam, os atletas devem ficar atentos para saber o momento de parar diante de riscos e lesões, especialmente se falta experiência no esporte. “Eles podem ficar com seqüelas físicas e emocionais, como traumas e fobias específicos de altura, de água”, afirma a psicóloga Mara Raboni.
O Ecomotion não registrou casos graves que afetassem a saúde dos atletas. Afinal, bolhas nos pés, nas mãos, arranhões e hematomas pelo corpo fazem parte. Alguns desmaiaram com o calor intenso. Mas a maioria chegava mesmo era feliz. Exaustos, porém alcançando o objetivo de superar seus próprios limites. “É uma vivência transformadora”, afirma o organizador do evento Said Aiach Neto. “É incrível, incrível estar aqui”, repetia o atleta Stuart Lynch, da campeã Orion Health. Era a sensação de cada um deles. Homens e mulheres de ferro. Para quem vê – e acha impossível fazer igual –, são simplesmente admiráveis.

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