i75766.jpgUma mudança na legislação está provocando polêmica nos colégios. Até 2005, o ensino fundamental durava oito anos e as crianças que ingressavam nesta fase escolar completavam sete anos na primeira série. A Lei Federal 11.274, de 6 fevereiro de 2006, ampliou para nove o total de anos no ensino fundamental – na prática o antigo pré virou a primeira série – e estabeleceu que só os alunos com seis anos completados no início do ano letivo poderiam ser matriculados. Até 2010, todos os colégios do País terão de estar adequados à nova norma. Os Estados e municípios ganharam autonomia para decidir até que dia e mês a criança precisava atingir a idade mínima de seis anos. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo, por exemplo, fixou, em abril passado, 30 de junho como data de corte. Ou seja, a criança pode ingressar no ensino fundamental com cinco anos, desde que faça seis até o dia 30 de junho. Depois disso, só entra na escola no ano seguinte.

É aí que começa a confusão. Há várias escolas de ensino infantil que querem que crianças de quatro e cinco anos repitam o ano para chegar a 2010 em acordo com a norma. A psicóloga paulistana Graziela Zlotnik Chehaibar está passando por esta situação. Sua filha mais nova, Yael, nasceu em 28 de agosto de 2004 e está matriculada no ensino infantil. Graziela foi informada das novas regras neste ano pela escola de educação infantil Grão de Chão, freqüentada por sua filha. "Eles me disseram que seria bom segurá-la mais um ano no maternal para que ela chegasse ao fundamental com a idade certa", explica. Para isso, Yael teria de repetir de ano e deixar o convívio com seus colegas de classe, com quem, aos quatro anos, já estabeleceu vínculos.

Muitas crianças vivem situação parecida e seus pais compartilham da dúvida de Graziela, que não sabe ainda se irá manter a filha na escola e submetê-la à reprovação. Afinal, um ano a mais de ensino infantil não seria um equívoco? Para Maria do Pilar Lacerda, secretária nacional de Educação Básica do MEC, não.

"Quando falamos em segurar a criança não podemos entender isso como reprovação, mas sim como um tempo maior garantido na pré-escola", diz a educadora.

A argumentação de Pilar tem consonância com outros especialistas no assunto. Marlene Schneider, coordenadora do departamento pedagógico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, diz que a "repetência" é uma boa medida para enquadrar as crianças na lei, mas faz ressalvas. Para ela, o limite tolerável é três anos de idade. "Segurar um aluno de quatro ou cinco anos não é correto", diz. Marlene argumenta ainda que, nessa faixa, o aluno já estabeleceu uma rede de relacionamentos mais estreita. Com isso, a distância dos amigos pode dificultar a adaptação em uma nova classe e o prejuízo para a criança ser maior ainda.

A secretária Debora Bortoleti, 35 anos, mãe de Clarice, de dois anos e quatro meses, matriculada na Tindolelê, em São Caetano do Sul, prefere que a menina se adapte já às novas regras. "Ela nasceu só 11 dias depois da data de corte, mas decidimos que ela fará o maternal de novo no ano que vem. Atrasá-la agora me deixou feliz, por mais estranho que possa parecer." Debora acredita que esse ano a mais no maternal só trará benefícios para a filha. "Quero que ela tenha tempo de brincar e isso não vai atrasar seu desenvolvimento", diz.

O ensino fundamental é muito diferente da pré-escola. "A criança de cinco anos tem de ser estimulada pelas brincadeiras, pela interação com os amigos. No ensino infantil tem a hora do conto, o dia do brinquedo preferido. Isso não existe mais no ensino fundamental, que já passa lição de casa e sistematiza tudo", diz Lizete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para muitos especialistas, adiantar a chegada ao ensino fundamental é mesmo desnecessário. "Para que serve a pressa na infância? Por que não fazer as coisas devagarzinho, nessa estrutura hiperestimulada em que a gente vive? Isso não ajuda o desenvolvimento da criança", afirma a psicanalista infantil Ana Olmos.

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A justificativa do MEC para estabelecer o novo projeto educacional é padronizar a entrada no ensino fundamental. Hoje, há estudantes com idades que variam de cinco a dez anos matriculados na primeira série. Outra alegação para essa antecipação é garantir acesso ao sistema escolar mais cedo, principalmente às crianças que não tiveram condições de freqüentar o ensino infantil.

Mas, na esteira das exigências do MEC, há estabelecimentos de ensino particulares exigindo que crianças muito mais velhas repitam o ano, principalmente quando são alunos transferidos de outras escolas, o que não deve ser aceito pelos pais. Por isso fica o aviso: o novo ensino fundamental é para quem está entrando no sistema. Quem já está matriculado não deve repetir de ano para cumprir os nove anos estabelecidos pela Lei 11.274. Repetência, principalmente no ensino fundamental, só deve ser aceita quando vem respaldada por uma justificativa pedagógica que atesta dificuldades de aprendizado ou falta de maturidade.