i75711.jpgEm 1981 uma curiosa encomenda chegou ao estaleiro dinamarquês Helsingor Vaerft. Um barco de 82 m de comprimento com 28 quartos, cinema, heliponto, sala de jantar para 200 pessoas, piscinas, ambientes de oração e acabamentos de luxo ostensivo, como torneiras de ouro maciço. Poderia passar despercebido em meio ao mar de excentricidades que costuma permear a vida dos muito ricos. Não fossem detalhes como um lançador de mísseis, vidros blindados em todas as janelas e uma passagem secreta para um minissubmarino de escape. Para completar, o iate foi batizado de Qadisiyah Saddam, homenagem a uma batalha vencida pelos árabes sobre os persas no século XVII. Com todos esses indicadores suspeitos, não demorou muito para que o nome do proprietário viesse à tona: ele mesmo, o ditador iraquiano Saddam Hussein, morto em 2006.

Sabe-se que quem esteve envolvido na construção do monumental barco teve de assinar um documento jurando manter segredo sobre suas características – uma forma de proteger o ditador, que tinha muitos inimigos. Ao final do projeto, ele já somava US$ 30 milhões em custo.

Pouco, perto dos US$ 40 bilhões que os Estados Unidos estimam ter sido o patrimônio do clã Hussein. Mas, ao que tudo indica, muito para o mercado atual de superiates absorver. Ninguém quer comprar o brinquedo de Saddam, que depois de litígio internacional envolvendo Arábia Saudita, Jordânia e França foi finalmente declarado como pertencente ao governo iraquiano e agora repousa no mar da Grécia à espera de um novo dono.

Há que se reconhecer que vender um bem avaliado em US$ 30 milhões, que drena US$ 5,3 milhões anuais em manutenção, não é fácil. Em tempos de recessão econômica, a reduzida disposição dos milionários em gastar também não ajuda. Mas há uma terceira característica do Qadisiyah Saddam que está dificultando a venda. Seu desconfortável passado.

Embora tudo indique que o iate tenha sido usado poucas vezes por seu famoso dono, que preferia seu outro barco, o Al Mansur (destruído no começo da segunda Guerra do Golfo por bombardeios americanos), a suntuosa embarcação carrega o estigma de ter sido construída para atender aos caprichos de um homem sangüinário, que matou pelo menos 100 mil pessoas, segundo a Human Rights Watch. Para completar, sua decoração é para lá de duvidosa, refletindo os excessos dos anos 80 e a opulência nababesca que é marca registrada do iraquiano. Para se ter uma idéia, ele foi apelidado de Babilônia de Liberace, referência ao pianista, um dos ícones da cafonice americana nesta época. Soma-se a isso o parecer de especialistas em tecnologia náutica – seria preciso pelo menos outros US$ 30 milhões em reformas para devolver ao Qadisiyah Saddam a segurança e o conforto que ele tinha em 1981.

Tudo bem que poucos devam precisar de mísseis e passagens secreatas para se proteger.

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