Basta chegar o Natal para a maioria das pessoas se sensibilizar com o clima de solidariedade que se acende neste mês tão prontamente quanto as luzes que enfeitam árvores, janelas e portas. Empresas se organizam para fazer doações, amigos coletam roupas e brinquedos para levar a entidades assistenciais ou comunidades carentes e alguns até se vestem de Papai Noel para presentear – com produtos adquiridos com recursos próprios ou com o reforço de colegas e comerciantes – aqueles que provavelmente nada teriam a receber.

Em geral, quem auxilia crianças e famílias pobres quer ser solidário. “Eu me sinto bem. Faço isso por amor ao próximo”, orgulha-se a empresária Rosana Gromatzky, 38 anos, moradora de um elegante condomínio de Santana do Parnaíba, em São Paulo. Dona de um bufê infantil – no qual faz festas para crianças carentes –, Rosana integra a entidade Abraço Amigo, formada por médicos, engenheiros e advogados. O grupo acompanha famílias de uma comunidade do município. “Ajudamos pessoas em situação de miséria a reconstruir suas vidas”, diz.

Estender a mão às pessoas neste período já é parte da cultura. Virou um padrão de comportamento. E a contribuição ajuda o próprio doador. “Alguns fazem isso para se libertar dos seus erros ou pecados. É um conceito cristão, de punição e autoflagelamento”, comenta a professora universitária Fátima Menezes, presidente da Ação Fome Zero, ong criada por empresários para apoiar o projeto do governo federal. Fátima recebeu cinco novas ofertas de trabalho voluntário somente nas últimas semanas.

Há também uma contradição entre quem faz doações no Natal e depois evita o contato com uma criança na rua. “Muitos dos que enchem o carro de doces agora fecham os vidros, com medo, quando vêem um garoto no semáforo”, constata o educador Ionilton Aragão, 36 anos, presidente do Centro de Educação Popular Nossa Senhora Aparecida, de Ermelino Matarazo, na periferia de São Paulo, que oferece a mais de 300 jovens de zero a 18 anos creche, cursos profissionalizantes, oficinas de música e capoeira. Aragão recomenda aos doadores que visitem as entidades para saber o que elas precisam, como atuam no dia-a-dia e como são aplicados os recursos. “Afinal, muitas vezes uma doação nem chega ao seu destino”, afirma.

Aproveitar essa vontade de ajudar é importante. Mas há um consenso entre representantes de ongs de que as doações deveriam se estender por todo o ano. “As crianças e os jovens necessitam sempre. Precisam de um Natal prolongado”, observa o padre Júlio Lancelotti, membro da Pastoral do Menor e responsável pela Casa Vida, que atende crianças e adolescentes com Aids, em São Paulo. “A ajuda é positiva. Traz uma resposta concreta para um grande número de pessoas. Mas o que as pessoas não conseguem perceber é como dar um passo adiante”, lamenta. Segundo ele, em dezembro o interesse cresce, porém depois as pessoas saem em férias e não há continuidade da ação. Parte desse “desligamento” se deve ao fato de o brasileiro ter aprendido a fazer caridade nos moldes pregados pela Igreja no passado. “O melhor seria motivar o povo a ter um compromisso social, e não fazer a simples assistência. Esse modelo antigo de caridade, que é distribuir as sobras, é anticristão”, critica o padre Ubaldo Steri, dirigente da Cáritas, entidade católica.

De qualquer modo, as entidades concordam que dezembro é uma oportunidade a não ser desperdiçada. “O Natal é uma interessante porta de entrada para um novo referencial de trabalho social”, afirma Ronaldo Martins, diretor da Visão Mundial, organização que apóia projetos voltados a comunidades carentes no Brasil. “Com essa sensibilização, as pessoas aprendem a identificar as necessidades e a se envolver com os programas”, reforça Mônica Mac Dowell, diretora do Centro Natal de Voluntários (www.natalvoluntarios.org.br), entidade do Rio Grande do Norte. É sabido que ações a longo prazo é que resolvem. “Mas vamos deixar milhões de pessoas morrer de fome enquanto as mudanças no País não acontecem?”, indaga Maria Nakano, coordenadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas e viúva do sociólogo Betinho, criador da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria. Essa entidade é responsável pela campanha Natal Sem Fome, que no ano passado recolheu quatro mil toneladas de alimentos.

Para que as intenções tragam resultados efetivos, militantes do terceiro setor sugerem ações diferenciadas. O empresário Luís Norberto Pascoal, vice-presidente do Instituto Faça Parte e diretor da Fundação Educar Dpaschoal, lembra que dezembro é o melhor momento para que companhias e profissionais liberais façam doações aos conselhos municipais de direitos da criança. Poucos sabem, mas as contribuições destinadas a esses órgãos são deduzidas do Imposto de Renda. Ao doar neste mês, a dedução pode entrar na declaração a ser feita em 2006. Ele propõe que as pessoas doem livros para crianças pobres e não esperem o próximo Natal para ajudar uma escola pública ou entidade do seu bairro. A Associação Vaga-Lume (www.expedicaovagalume.org.br), que leva livros a populações carentes da região amazônica, também estimula esse tipo de contribuição. Com base na Lei Rouanet (de incentivo à cultura), qualquer pessoa física ou jurídica pode doar parte de seu Imposto de Renda para o projeto. É possível fazer a dedução integral do valor – desde que não ultrapasse 6% e 4% do imposto devido, respectivamente.

Hoje empresas têm se engajado cada vez mais nessas ações de ajuda. Um exemplo de iniciativa solidária é a contribuição da Trevisan Consultores, que planeja um modelo de gestão para equilibrar as finanças do Amparo Maternal, a maternidade que mais realiza partos em São Paulo (no primeiro semestre trouxe à luz 6.853 crianças). Fundada em 1939 como entidade filantrópica, atende toda mulher que bate a sua porta – o que nem sempre ocorre nas superlotadas unidades do SUS. Mas agora é o Amparo que espera socorro. A maternidade tem uma dívida superior a R$ 7 milhões. Para quitá-la, foi lançada na semana passada uma campanha para a iniciativa privada “adotar” seus leitos (há 156 para adultos, 38 no berçário e dez na UTI). A idéia é fazer com que cada empresa contribua com R$ 50 mil por ano.

Parte da dívida da entidade se deve à diferença entre o que a instituição gasta e o que recebe do governo. O custo do parto é R$ 950 para o Amparo e o SUS repassa R$ 450. Só que a entidade faz muito mais do que isso. Há gestantes que moram tão longe que necessitam de um alojamento para poder cuidar de seus filhos enquanto os bebês não recebem alta. O Amparo dispõe de um alojamento para isso. Foi lá que estiveram Angélica da Silva, 16 anos, e sua filha Rayssa, na semana passada. “O dinheiro que temos mal dá para pagar funcionários”, conta a vice-presidente da casa, Irmã Enir Loubet. Se obtiver um repasse maior e conquistar o apoio do empresariado, será possível garantir o futuro de muitas mães e bebês. Essa situação mostra que o melhor presente de Natal é mesmo o envolvimento com uma causa. O Amparo acredita que a ajuda virá. “Estamos vivendo um tempo de esperança”, conclui a religiosa.