Não há a menor carga de exagero na afirmação de que o carioca Bernardo Rocha de Resende, o Bernardinho, 44 anos, da seleção masculina de voleibol, é hoje o melhor técnico do esporte brasileiro – e aqui, vale lembrar, se inclui também o futebol. As conquistas da Copa do Mundo de vôlei, no dia 30 de novembro, no Japão, do sul-americano, da Liga Mundial, na Espanha, em julho, e do bronze nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, na República Dominicana, são apenas as pérolas mais recentes de uma sequência impressionante, quase inacreditável de conquistas. O Bernardinho jogador de clube venceu um título nacional, um sul-americano e foi vice mundial. Na seleção, ganhou ouro no Mundialito de 1982, no Rio de Janeiro, e, dois anos depois, a prata nas Olimpíadas de Los Angeles. Não é pouco, mas ele afirma que, em quadra, jamais foi brilhante. Fora dela, a história é outra, porém. O talento do Bernardinho técnico, escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano nos Esportes, sempre o manteve a uma distância prudente dos insucessos.

À frente da seleção feminina, entre 1993 e 2000, o técnico disputou 28 torneios, conquistou vários títulos, ficou entre os três primeiros colocados 27 vezes e levou um quarto lugar. Com os rapazes, foram 13 campeonatos nos últimos três anos, todos com medalhas, dez delas de ouro. Há pelo menos 30 competições consecutivas, não sente o sabor aguado de ficar fora de um pódio. Economista de formação, estudioso, perfeccionista e insaciável, Bernardinho é uma espécie de esquina onde se encontram a consistência teórica de Carlos Alberto Parreira, o poder agregador e motivador de Felipão e uma capacidade técnica acima da média, esta última, por assim dizer, a qualidade que se percebe em Vanderlei Luxemburgo. A exemplo do que José Roberto Guimarães, hoje na seleção feminina, conseguiu com os rapazes no ouro olímpico de 1992, Bernardinho montou uma máquina de jogar vôlei em que a última coisa a se considerar cativa é uma vaga de titular. “Há um solo aqui, outro ali, mas não existem solistas definidos. São brilhantes componentes de uma orquestra”, resume ele.

Músicos e maestro exibem afinação maior a cada torneio. No Japão, foram 11 jogos, 11 vitórias, nenhuma derrota, 33 sets vencidos e apenas quatro sets perdidos. Giovane foi eleito o melhor atacante da competição e Escadinha, o melhor líbero. A fartura de talentos é tamanha que o treinador se dá ao luxo de manter no banco a maior parte do tempo estrelas como Giba e Maurício, este último, na definição do próprio Bernardinho, “tecnicamente, o maior levantador do mundo de todos os tempos, com um toque semelhante a uma obra de arte”.

Ironia suprema, Maurício, a exemplo do que ocorrera com Bernardo e William na geração de prata, assiste muitas vezes do banco às atuações de Ricardinho, que, a bem da justiça, tem jogado uma enormidade nos últimos meses. “O Bernardo é o melhor e mais completo técnico de voleibol do mundo na atualidade”, elogia Ricardinho. “Vivi momentos difíceis. Devo pelo menos metade de tudo o que reconquistei nas quadras a ele”, admite Giovane. O estilo durão, muitas vezes envolvido em ares folclóricos quando o assunto é Bernardinho, foi evidentemente notado no Japão. Chegou a produzir episódios curiosos, o mais engraçado deles na partida contra os americanos. A vítima, dessa vez, foi Ricardinho. “Como todos sabem, sempre vou para o jogo com vontade de gritar, berrar, cobrar do time. O Ricardinho tem perfil semelhante. Notei que ele estava quieto demais na quadra e mandei: ‘Ricardo, vai me deixar berrando sozinho? Comece logo a gritar também.’”

Bernardo Rocha de Resende aprendeu a importância da disciplina e da boa formação bem antes de bater com as pontas dos dedos numa bola pela primeira vez. Fala com carinho dos ensinamentos recebidos do avô paterno, Octavio de Resende, ex-ministro do Tribunal Militar, da mãe, Mariângela, e do pai, Condorcet, um dos mais respeitados advogados tributaristas brasileiros nas últimas décadas. No último dia 29 de novembro, Condorcet, um homem que raramente abre mão do bom humor, completou 73 anos. De presente, Bernardinho dedicou-lhe a vitória contra os Estados Unidos, conquistada no mesmo dia, que
valeu o carimbo no passaporte para os Jogos de Atenas, em 2004.
“Ele só vê as reprises dos jogos, para não ficar nervoso. De vez
em quando me chama a atenção, sempre com o mesmo recado: ‘É simples: basta avisar à turma para não deixar a bola cair do lado de
cá, e sim do de lá’”, conta o técnico aos risos. Não se trata de carinho exagerado de filho. Na seção Bate-papo do site oficial do treinador (https://lancenet.ig.com.br/bernardinho/), é de Condorcet a primeira mensagem da lista, enviada antes de 2000 ao Bernardinho ainda técnico da seleção feminina. O texto: “Não esqueça de dizer às meninas que elas devem fazer a bola cair na quadra do time adversário e impedir que caia na nossa quadra. O resto é figuração.”

Ainda que fosse um desejo de momento, Bernardinho sabe que não conseguiria se desvincular do voleibol mesmo por um segundo. Sua mulher é a bela Fernanda Venturini, levantadora titular da seleção classificada para os jogos de Atenas em 2004 e a melhor jogadora que o vôlei feminino já teve na posição. “Bernardo é um sujeito avesso a festas, concentrado no trabalho. Respeito o seu estilo. Para ele, não há o que comemorar no dia seguinte a uma conquista. Está sempre com a cabeça no próximo objetivo”, disse Fernanda a ISTOÉ. Os dois são pais de Julia, de dois anos. Além dela, Bernardo tem o filho Bruno, 16, fruto de seu casamento anterior, com a ex-jogadora de vôlei Vera Mossa. Ainda no Japão, Bernardinho soube que o garoto foi convocado para a seleção juvenil paulista. Seleção de vôlei. “Alguém na família tinha que se destacar, né?”, foi a primeira frase. Pelo caminho que escolheu, Bruno precisa ficar esperto. Deve ser bem mais fácil ter e curtir um pai coruja do que topar com um desses técnicos durões, exigentes e insaciáveis. Como um certo Bernardo Rocha de Resende.