Em sua mais recente visita ao Palácio do Planalto, a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus (PMDB), quase tirou do sério o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Se insistirem em construir o oleoduto, eu mobilizo até a PM para impedir”, bradou a governadora. Os dois conversavam sobre os interesses da economia fluminense, cuja defesa Rosinha transformou em questão de honra e ponto central de seu marketing político. Ela rejeita a construção de um oleoduto para levar o petróleo do Rio para as refinarias paulistas. “O presidente chegou a se alterar, mas entendeu que, no meu lugar, ele também defenderia o Estado. Comigo aqui, o oleoduto não passa”, sentencia, com uma dureza que destoa do olhar juvenil. Aos 40 anos, a radialista que até o ano passado o Brasil não conhecia chega ao fim de seu primeiro ano de governo com uma imagem bem diferente da mulher acuada, no início do mandato, pelos atos terroristas do narcotráfico e pela precariedade das contas estaduais. Ganhou estatura política e identidade própria.

Com a mão de ferro manuseando uma tesoura afiada, Rosinha cortou tantas despesas que, em 12 meses, conseguiu garantir o pagamento de 15 salários ao funcionalismo: os 12 meses de 2003, os décimos-terceiros de 2002 e 2003 e o salário de dezembro de 2002, para o qual não havia dinheiro em caixa quando assumiu, segundo ela. Os gestos singelos de dona-de-casa, evangélica praticante e esposa apaixonada parecem, à primeira vista, incompatíveis com a voz firme que ela aciona tanto nas negociações da reforma tributária quanto na organização do “doce lar” em que transformou um dos palácios mais suntuosos do País, o Laranjeiras. O dono de um bufê contratado pôde ouvir a tal voz firme numa recepção à rainha da Dinamarca, ainda no governo do marido, Anthony Garotinho. No meio da cerimônia, Rosinha soube que sua filha Clara, então com cinco anos, chorava no quarto. Esquivou-se dos convidados, subiu as escadas de fininho e encontrou a filha aos prantos. “Clarinha queria um salgadinho e o homem do bufê não deu. Como é que pode uma pessoa negar um salgadinho a uma criança?!”, indigna-se a mãe. Ela consolou a filha com beijos e, com passos bem mais decididos, desceu as escadas rumo à cozinha. Até hoje, brincam os amigos, ninguém sabe o paradeiro do homem do bufê, mas Clarinha ganhou mais doces e salgados do que a rainha.

Em eventos como esse, Rosinha se senta estrategicamente em frente a um espelho de cristal do salão nobre, de onde vê tudo. Num jantar recente para a rainha da Suécia, uma bolinha de papel caiu na mesa e, pelo espelho, ela viu o filho Anthony, de 13 anos, no mezzanino. “Eu olhei para cima e ele foi direto para a cama.” É assim, alternando a espinhosa tarefa de gerir o Rio com as funções de mãe de nove filhos – quatro naturais, um adotivo e quatro agregados –, que Rosinha procura manter a popularidade que a elegeu em primeiro turno, com 4,1 milhões de votos. Seus discursos são simples e diretos, como suas idéias. Uma delas é a de não gastar o que não tem. “Quando ela manda cortar despesas, ai de quem não obedece”, comenta o secretário de Comunicação, Mauro Silva. Outra idéia simples é a dos programas assistenciais, como os tíquetes de leite e os restaurantes com refeições a R$ 1. “Eu não gostaria de fazer isso, mas quem tem fome tem pressa”, resume, recorrendo à concepção que consagrou Betinho como símbolo de fraternidade. A oposição fez um barulho danado quando ela incluiu esses programas no orçamento da Saúde. Alimentar o povo, segundo ela, é saúde preventiva. “Noventa por cento das 100 mil crianças que recebem dois quilos de leite em pó por mês saíram da desnutrição. Pela Constituição, isso é saúde”, conclui.

À frente da campanha pela instalação de uma refinaria no Rio, Rosinha vem unindo o empresariado. Desde agosto, quando trocou o PSB pelo PMDB, a governadora passou a agir com desenvoltura em Brasília, deslocando-se da sombra do marido ex-governador. Liderou uma articulação inédita dos deputados fluminenses e se projetou como boa de briga. “O mérito é do PMDB, que nos apóia e sempre abre canais com o governo”, agradece. A popularidade do casal é um trunfo do partido junto ao governo Lula. O primeiro-marido está em qualquer especulação sobre eleições presidenciais. Rosinha evita antecipar o assunto, dizendo que torce pelo sucesso de Lula e que ainda é cedo para imaginar 2006. “Este ano foi um horror, com recessão e desemprego, mas Lula é bem-intencionado e torço para ele fazer o Brasil crescer”, discursa.

Tentar semear a discórdia entre o casal, recurso recorrente dos adversários, é perda de tempo. A governadora diz que o marido é seu líder político e que sonha “ficar casada para sempre”. O objetivo tem raízes na infância em Itaperuna, no norte fluminense, onde ela
nasceu. Seus pais, um ferroviário e uma dona-de-casa, se separaram
na festa de seu aniversário de sete anos. “Não tenho mais avós, nem tios, nem pais. Dou um valor enorme à família”, explica. A história de Rosinha é a de Garotinho. Aos 16 anos ela se apaixonou pelo rapaz contestador, que militava no PCB. “Quem diz que eu sou novata desconhece que faço política desde os 16 anos. Fundamos o PT em Campos, fomos para o PDT, PSB e agora PMDB. Ele é minha referência na política”, entrega-se a governadora. Apesar da paixão, seguir o marido inquieto nunca foi uma tarefa fácil. Rosinha faz rir ao contar as idas e vindas da família para acompanhar as andanças do líder. “Quando a
gente estava bem no Rio, ele se candidatava em Campos. Íamos para Campos com essa filharada e ele voltava para o Rio.” Em 1996, quando ele decidiu voltar à Prefeitura de Campos, Rosinha apresentava um programa de rádio na capital e sua empresa Segredo da Rosa, de produtos de beleza e higiene, ia de vento em popa. “A empresa dava muito mais do que nossos dois salários de hoje, mas eu me zanguei, fechei tudo e voltei com as crianças para Campos. E não é que um ano depois ele voltou ao Rio para se candidatar ao governo? E olhe nós aqui de novo.” O objetivo agora é “fazer um governo melhor do que o de Garotinho, aperfeiçoando o que ele criou”. A diferença entre ambos é de estilo pessoal: ele é bem mais paciente nas negociações. “O meu elástico estica menos do que o dele”, avisa a governadora.

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