Diz um ditado árabe que com um rosto sorridente um homem duplica as capacidades que possui. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, é a comprovação do provérbio. Longe da imagem de tecnocrata sisudo, este médico sanitarista de 43 anos conquistou a platéia com sua simpatia, serenidade, bom humor e habilidade. Nestes quase 12 meses em que vem jogando na posição mais espinhosa da Esplanada dos Ministérios, mostrou que é o craque do time do presidente Lula. No gol, foi um verdadeiro Lev Yashin, o Aranha Negra (da seleção da extinta URSS, tido como o melhor goleiro de todos os tempos): evitou que a bola atingisse a estabilidade econômica. No ataque, demonstrou seu lado Ronaldinho, certeiro nos chutes contra o dragão da inflação, que ameaçava voltar. É claro que o jogo está longe do fim e há muitos obstáculos pela frente, principalmente na busca da retomada do crescimento sustentado.

Mas não é só o técnico que está feliz com o jogador. Nascido no dia 4 de outubro de 1960, dia de São Francisco de Assis, Palocci foi de fato um santo remédio para o histérico mercado. Além disso, os torcedores reconhecem seu talento e o aplaudem. Várias pesquisas apontam Palocci como o ministro mais admirado. Um fenômeno. Afinal, o dono do cofre foi um radical, adepto das idéias do revolucionário russo Leon Trotsky. O ministro é médico, mas tem extensa bagagem política: foi vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito de Ribeirão Preto duas vezes: da primeira gestão (1993-1996) saiu com 80% de popularidade, e a segunda teve que deixar pela metade para assumir o Ministério, o que o desgastou com o eleitorado local. Já empossado ministro da Fazenda, o 118º da história brasileira, Palocci foi ao presidente mostrar o cenário sombrio. A inflação cavalgava acima de 2% ao mês. Cada dólar vendido no País custava R$ 3,50. Os juros de 25% anuais sufocavam a economia. Imperturbável, Palocci pôs as cartas na mesa: “Nós podemos fazer um ajuste de curto prazo e aí teremos três anos pela frente. Ou podemos fazer o ajuste durante o governo inteiro.” Sutil, avisava naquele momento que jogaria a economia na recessão para fazê-la planar de novo somente a partir de 2004. Obteve o consentimento presidencial para as duras medidas econômicas que a realidade exigia. Afinal, como dizia o próprio Karl Marx, teórico do comunismo, “há pessoas que não levam em conta a realidade, mas em compensação a realidade não as leva em conta”. O caminho da prudência estava decidido.

“Estamos arrumando o Estado para o desenvolvimento”, anuncia, municiado de estatísticas segundo as quais o País crescerá pelo
menos 3,5% no ano que vem. O terreno para o crescimento foi
preparado neste ano, inclusive com a renovação do polêmico acordo com o FMI. A prudência, aliás, é uma das quatro virtudes cardeais da Antiguidade e da Idade Média, segundo André Comte-Sponville, professor de filosofia da Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), autor do livro Pequeno tratado das grandes virtudes. Diz ele: “Não se pode viver no instante. Não se pode chegar sempre ao prazer pelo caminho mais curto. O real impõe a sua lei, seus obstáculos, seus desvios. A prudência é a arte de levar tudo isso em conta, é o desejo lúcido e razoável (…). Os homens de ação sabem que não há outro caminho, mesmo para realizar o improvável ou o excepcional. A prudência é o que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado.” E foi justamente essa ponderação que fez com que Palocci conquistasse corações e mentes. O chefe é um dos mais entusiasmados e o defende dentro e fora do Brasil, inclusive diante de platéias descontentes com a política econômica, como num recente encontro do MST. “Eu tenho um ministro da Fazenda em quem confio plenamente. É meu companheiro de muitos e muitos anos. Muitas vezes tem mais bom senso até do que eu”, afirmou o presidente em Genebra. O empresário Abílio Diniz fez coro: “Palocci é a prova de que Deus é brasileiro.”

Palocci age com sabedoria chinesa, que aconselha o planejamento para conquistar o crescimento: “Use linha comprida para pegar peixe grande.” Por sinal, o ministro é fanático por peixes e aquários. Quando está tenso, senta diante do aquário e fica lá, observando os peixes. “É relaxante”, explica. Seu prato preferido é bacalhoada, gosto que divide com famosos da história, como os escritores Miguel de Cervantes, Alexandre Dumas, Émile Zola e James Joyce. Ao ouvido
zen do ministro agrada a música clássica, mas lembra que já ouviu
muito rock: seu ídolo foi o compositor e cantor Roy Orbison, o antecessor de Jerry Lee Lewis nas paradas americanas. “É o maior roqueiro da história”, opina sobre o autor do sucesso Pretty woman. Mudou-se
para Brasília com a mulher, a médica sanitarista Margareth, os dois enteados, Marina, 22 anos, e Pedro, 20, e a filha Carolina, 12, seu
xodó. Gosta tanto de crianças que nos dias mais tensos da prefeitura pedia para visitar escolas. “Ele relaxava assim, sentando no meio das crianças. Ele tem alguma magia que faz com que elas o cerquem”, conta o amigo e médico Paulo Ramos.

O ministro herdou o nome dos pais: o artista plástico e ex-secretário municipal de Cultura de Ribeirão Preto Antônio Palocci, que morreu em 1987, e Antônia, que só atende pelo apelido Toninha. Mãe precoce, aos 16 anos, teve outros três filhos homens: o pediatra Pedro, 46, os engenheiros Orlando, 45, e Adhemar, 44, que hoje coincidentemente ocupa o cargo de secretário da Fazenda de Goiânia, na gestão do petista Pedro Wilson. Toninha trabalha como voluntária na Prefeitura de Ribeirão Preto – hoje comandada pelo ex-vice de Palocci, o empresário Gilberto Maggioni. “Fui costureira e durante muito tempo sustentei a casa porque meu marido não ganhava muito como funcionário da prefeitura”, lembra Toninha, que chama o filho de Tóti. Louco por livros desde pequeno, Palocci influenciou a mãe. Primeiro presenteou-a com O pequeno príncipe, depois Fernão Capelo Gaivota, e aí começou a radicalizar:
A ilha, de Fernando Moraes, sobre Cuba, e até mesmo O capital, a bíblia do comunismo escrita por Karl Marx.

Uma de suas características mais evidentes é o bom humor, mesmo nos momentos mais tensos. Num daqueles dias de muito cansaço, enquanto dava uma entrevista, percebeu que carregou no sotaque interiorano de São Paulo, com o “r” – perceptível com a frase-teste “porca morta atrás da porta”. E caiu na risada.
Libriano, seu símbolo é a balança, ele sempre foi, de fato, equilibrado. “Não é de dar murro na mesa, de elevar a voz”, conta o advogado Edwaldo Arantes, que foi seu secretário-adjunto de Governo. No quesito paciência, Palocci também está de acordo com os conselhos históricos, como o do jesuíta Baltasar Gracián, um dos mais importantes prosadores espanhóis do século XVI, que dissertou, entre outras coisas, sobre a importância de nunca perder o controle: “Assim se portam os grandes homens, pois a magnanimidade dificilmente se abala. Tendo completo domínio sobre si próprio na prosperidade e na adversidade, ninguém irá censurá-lo, mas admirá-lo.” O amigo Donizeti Rosa, presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, lembra: “Mesmo quando ele era da Libelu (Liberdade e Luta, extinta tendência trotskista) tinha ouvidos para todos, era conciliador.” A mãe coruja capta o sentimento do filho por um detalhe em sua expressão, quando o assiste dando entrevista na televisão: “Se a testa está lisa, ele está tranquilo, mas quando faz aquelas duas rugas no meio da testa é porque está tenso”, confidencia Toninha, que logo depois da eleição de Lula fez um pedido ao filho. “Só não pega o Ministério da Fazenda. Isso vai ser um abacaxi.”

No plano ideológico, o ministro tem respostas para várias das aparentes contradições do PT, crítico histórico da ortodoxia econômica. “É errado pensar que essas coisas definem a política econômica como neoliberal ou uma continuidade do governo anterior. Isso tudo é instrumental, está disponível na caixa de ferramentas usada no mundo inteiro.” Ao contrário do que vociferam os radicais petistas, as medidas amargas, como a elevação do superávit fiscal e o cumprimento dos contratos, foram anunciadas em meio à campanha eleitoral, da qual Palocci foi o coordenador do programa, através do documento Carta ao Povo Brasileiro. O ministro lembra que a esquerda tem tradição em ajustar as contas públicas. E qual a diferença da atual política econômica? “Para começar, estamos fazendo o ajuste fiscal sem aumentar a carga de impostos. E nossa prioridade ao longo do governo será a distribuição de renda, investimentos em educação, infra-estrutura.” Foi o que ele fez como prefeito de Ribeirão Preto, quando ousou incluir o PSDB na sua coligação. Sua primeira experiência como prefeito ficou conhecida nacionalmente: os xiitas ficaram ainda mais vermelhos quando souberam que ele havia feito parcerias com a iniciativa privada e aberto 49% do capital da companhia telefônica municipal num momento em que o PT ainda jogava pedras na privatização. “Paloccinho, Paz e Amor” amansou as feras. “Eu nunca consegui colocar o Tóti de castigo porque ele negociava”, recorda Toninha. “Já vi ele receber um grupo de pessoas, negar todos os pedidos e mesmo assim elas saíram do gabinete elogiando”, conta o prefeito Maggioni. Além do sorriso que brota fácil em seu rosto, seu olhar manso chama a atenção do interlocutor. “O olhar dele tem uma força impressionante e assim ele acaba seduzindo as pessoas”, completa.

Com dinheiro em caixa, Palocci conseguiu investir em infra-estrutura e em obras sociais na prefeitura. Em 1995, recebeu o Prêmio Criança e Paz, da Unicef, pelo Programa Ribeirão Criança, de serviços voltados para a criança no período extra escolar. Hoje o ministro diz que continua o mesmo: defende forte atuação do Estado e descarta a visão monetarista, segundo a qual o máximo que os governos podem fazer é não atrapalhar o desenvolvimento promovido pelos mercados.

Acha que as intervenções do Estado são necessárias, desde que distribuam renda. “Resumo meu plano da seguinte forma: serenidade macroeconômica, criatividade na política de desenvolvimento e ousadia na política externa.” E garante: “Sou de esquerda, continuo socialista. Está muito enganado quem pensa o contrário.” Antigo companheiro de partido, o secretário nacional de Organização e Comunicação do PT, Sílvio Pereira, ressalta que Palocci sempre levou todas as tarefas que assumiu muito a sério. “Ele nunca pede nada. Pelo contrário, em 1998 ele concordou, sem relutar, em desistir de ser candidato ao governo de São Paulo, porque a direção do partido achou que Marta Suplicy teria mais chances. Ele disse que não tinha problema nenhum, era novo e podia esperar”, conta Pereira. Palocci lê compulsivamente textos de economistas de várias vertentes, acorda às seis da manhã e caminha por uma hora, às vezes na companhia do próprio presidente. Há quatro meses começou a fazer regime – a dieta do dr. Robert Atkins, que substitui carboidrato por proteína e gordura. Com 1,85 m de altura, o ministro hoje está com 96 quilos, nove a menos. Quer perder mais cinco quilos. Se mantiver a disciplina que teve nas contas públicas, vai emagrecer rapidinho.