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Conhecida como Dina, a geóloga Dinalva Oliveira dos Santos tinha 29 anos em 1974, quando desapareceu durante a guerrilha do Araguaia. Ela foi a única mulher, entre os guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que enfrentaram o Exército, a comandar um destacamento militar insurgente. Segundo seus companheiros e até alguns militares, Dina era valente, atemorizava os soldados com sua audácia e saiu ilesa de vários combates. Seu desaparecimento é um dos maiores mistérios do Araguaia. Há versões de que ela morreu em combate; outras garantem que Dina foi executada pelos militares. Seus restos mortais jamais foram encontrados. Agora, um documento do Exército obtido por ISTOÉ com exclusividade revela que a guerrilheira foi presa e interrogada antes de desaparecer.
As provas do depoimento de Dina estão no telex nº 191-E2.1, datado de 12 de junho de 1990, enviado ao Estado-Maior do Comando Militar do Oeste, aos cuidados do então capitão Aurélio da Silva Bolze, hoje, coronel e chefe de comunicação do Comando Militar Sul. Segundo os relatos dos sargentos José Albérico da Silva e Paulo Eduardo do Carmo Cunha e do soldado Marcelino Nobre de Oliveira, Dina teria admitido aos oficiais que a interrogaram sua participação numa tocaia a uma patrulha militar próximo a Bacaba, uma das duas bases militares perto de Marabá (PA). "Presa e interrogada, ela declarou ter desistido da emboscada ‘a uma patrulha militar’ em face da maior potência de fogo da tropa regular", atestam os militares. A patrulha que Dina cercou era comandada pelo então sargento José Vargas Jiménez, hoje tenente da reserva. O telex faz parte de uma investigação interna do Exército para a concessão da Medalha do Pacificador ao sargento Vargas, que na última semana revelou à ISTOÉ que os militares tinham ordem de exterminar os guerrilheiros no Araguaia.
Na época da emboscada, Vargas não se deu conta do perigo que correu, mas hoje, ao analisar os depoimentos de seus pares, ele se mostra aliviado com o desfecho. "Depois de capturarmos mais de 40 camponeses na segunda quinzena de outubro, meu grupo continuou com o Curió (o major Sebastião de Moura) vasculhando a selva, num pente-fino procura de bases dos terroristas. Na região do Peixinho, pedi autorização ao Curió para tomarmos banho no igarapé.

A BUSCA DA VERDADE

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Na segunda-feira 10, o tenente José Vargas Jiménez compareceu ao Comando Militar do Oeste, na cidade de Campo Grande, MS, para entregar cópias de toda a documentação apresentada à ISTOÉ. Vargas explicou a seus superiores o porquê das revelações: "Disse ao coronel que mostrei os documentos para que minhas revelações tivessem a credibilidade necessária. Só fiz o que fiz na selva porque os guerrilheiros queriam impor o comunismo no Brasil e não a democracia, como eles dizem até hoje", justifica-se Vargas. "Nossos chefes não podem ser omissos, surdos e cegos, como estão sendo", diz. Nos próximos dias, Vargas terá que se explicar também ao Ministério Público Federal, em Marabá (PA). "Trata-se de um fato diferenciado, que é a confissão de um agente do próprio Estado", diz Marcelo José Ferreira, promotor que investiga a atuação do Exército na guerrilha do Araguaia. "Nossas instituições democráticas têm o dever de apurar os dois fatos: primeiro, a confissão dos crimes por parte de um agente torturador e, segundo, a revelação de que existem arquivos e que os acessos são negados à sociedade", diz Paulo Abraão, da Comissão de Anistia. Procurados por ISTOÉ, os ministros da Defesa, Nelson Jobim, da Justiça, Tarso Genro, e o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, não quiseram se pronunciar. "Embora esse debate sempre gere constrangimentos, essas revelações têm que ser consideradas. É preciso detalhar a denúncia que faz o oficial do Exército. Defendo que ele seja chamado para depor em uma das comissões de Direitos Humanos, na Câmara ou no Senado", diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) "Os detalhes encobertos sobre o que aconteceu no Araguaia precisam vir à tona. Nós deveríamos seguir o exemplo da África do Sul, que instituiu, ao fim do regime do apartheid, a Comissão de Verdade e Conciliação para que tudo fosse esclarecido", completa o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Hoje eu tenho certeza que foi nesse momento que o grupo de Dina nos cercou. Na verdade, se eles tivessem um poderio de fogo igual ao nosso, eu não estaria aqui para contar nada."
"Nunca foi dito que Dina teria sido ouvida", diz Paulo Abraão, presidente da Comissão Nacional de Anistia. "Os relatos que existem são de que ela foi assassinada exatamente por não ter falado nada", conta o vereador de Belém Paulo Fonteles (PT-PA), da Comissão de Direitos Humanos que investigou as mortes e o desaparecimento de 59 guerrilheiros do Araguaia. Se houver de fato a disposição do governo em buscar a verdade sobre os acontecimentos no Araguaia, o documento revelado por ISTOÉ abre um bom caminho: é só procurar os militares mencionados para que eles prestem depoimento sobre o que testemunharam na época.