Qual seria a melhor maneira de protestar contra uma guerra, influenciando o maior número de pessoas? Muito antes da Internet surgir, em 1937, Pablo Picasso (1881-1973) expressou sua indignação contra a violência com “Guernica”, uma enorme pintura em tamanho de mural e que pode ser considerada um verdadeiro memorial de todos os crimes perpetrados contra a humanidade no século XX. É um ícone da Guerra Civil Espanhola e um dos símbolos mais fortes do antimilitarismo mundial e da luta pela liberdade.
Acompanhe curiosidades dessa obra que foram selecionadas especialmente para você conhecer melhor sua história e sua relevância mundial:
1 – Guernica foi uma pintura encomendada– Picasso recebeu do governo republicano espanhol uma encomenda para preparar uma pintura para o Pavilhão Espanhol na Exposição Internacional de Paris, que aconteceria em 1937. O artista aceitou o pedido, apesar de raramente misturar arte e política.
2 – A Inspiração veio de uma matéria – Um artigo no jornal The Times (“The Tragedy of Guernica: A Town Destroyed in Air Attack: Eye-Witness’s Account”), escrito pelo jornalista George Steer, foi a inspiração de Picasso para definir o tema de sua obra. Era uma reportagem sobre o massacre na cidade de Guernica e Picasso ficou chocado com o ataque contra a cidade repleta de civis. Na ocasião, a Espanha estava saindo de uma guerra civil de meses, que ocorreu após uma revolta contra o governo do general ditador Francisco Franco. A pedido dos nacionalistas que apoiavam Franco, a poderosa força aérea alemã de Hitler bombardeou cruelmente a vila de Guernica, uma cidadezinha do norte da Espanha e que não tinha nenhum valor militar estratégico. Com cerca de 6 mil habitantes, estima-se que 1.660 pessoas morreram e 890 ficaram feridas com o ataque contra civis, incluindo mulheres e crianças.
3 – Picasso produziu a obra no último momento – Picasso ficou tão afetado pela reportagem do The Times que desistiu de outras ideias para se dedicar ao trabalho de um novo mural para o pavilhão, retratando o massacre de Guernica. Impressionado com a crueldade do ataque, Picasso produziu o mural em apenas três semanas, demonstrando por meio de sua arte o protesto contra a crueldade do bombardeio. O artista começou a trabalhar na obra praticamente em cima da data da exposição e Guernica ficou pronta apenas duas semanas antes da abertura do pavilhão.
4 – Picasso não morava mais na Espanha – Picasso já morava fora da Espanha há três anos quando recebeu a encomenda da obra. Viveu a maior parte da vida na França e ele nunca voltou a morar no seu país de origem.
5 – Com grandes dimensões, a obra era para ser colorida – O mural criado por Picasso é enorme: 7,7 metros de comprimento e 3,4 metros de altura. Foi feito a óleo, com paleta quase monocromática e uso apenas de preto, branco e cinza, com um toque de bege e de azul. Durante sua criação, Picasso permitiu que um fotógrafo registrasse seu trabalho de produção. Picasso chegou pensar em incluir cores na obra, como uma lágrima vermelha saindo de um dos olhos de uma mulher, bem como amostras de papel de parede colorido. A cor e esses elementos foram excluídos da versão final. Historiadores acreditam que as fotos em preto e branco inspiraram o artista a adotar uma paleta com poucas cores. A obra foi pintada sem brilho e com acabamento fosco, com tintas encomendadas especialmente para ela.
6 – Estudos para o mural – Ao contrário do que parece em um primeiro momento, Guernica não é confusa ou caótica. Cada pedaço foi milimetricamente estudado previamente. Esse trabalho é resultado do processo criativo de Picasso. Em grandes obras, costumava produzir estudos preliminares antes de começar suas pinturas. No Museu Reina Sofia há uma sala para apresentar os desenhos usados de inspiração. Guernica possui três agrupamentos verticais, movendo-se da esquerda para a direita, enquanto as figuras centrais são estabilizadas dentro de um grande triângulo de luz. O cavalo e o touro são imagens presentes na obra de Picasso desde o princípio de sua carreira artística, uma vez que foi influenciado pelas touradas espanholas que viu ainda quando criança.
7 – A primeira versão da obra era mais impactante – Guernica evoluiu entre o começo dos estudos e a versão final. Um dos primeiros rascunhos da pintura incluía um punho levantado, representando o símbolo universal de solidariedade e da resistência à opressão. Essa representação estava sendo usada por opositores à ditadura de Franco, como emblema durante a Guerra Civil Espanhola. Picasso retratou um punho de mãos vazias que, depois, agarrava uma pilha de grãos. Por fim, ele excluiu essa imagem completamente de Guernica.
8 – Picasso não quis comentar a obra – Desde o primeiro dia que foi exposta, Guernica levantou controvérsias sobre seu significado. Estudiosos interpretam o cavalo e o touro como representantes da mortal batalha entre os combatentes republicanos (cavalo) e o exército fascista de Franco (touro), mas Picasso foi categórico na resposta: “não cabe a mim como pintor definir os símbolos. A interpretação cabe ao público”. Foi questionado muitas vezes sobre o que desejava transmitir com Guernica. Em todas as ocasiões, respondia: “esse touro é um touro e esse cavalo é um cavalo”.
9 – Aprecie a obra com calma – Guernica chama atenção, com suas figuras enormes e simbolismo. É uma composição complexa, que demonstra a inquietude e o sofrimento das pessoas e dos animais com a guerra. Com características cubistas, retrata a morte em todos os espaços, com contrastes e uma intensidade dramática, estabelecendo um diálogo direto com o espectador ao permitir enxergar também dor, drama e tragédia. À medida que nossos olhos se ajustam ao painel, começam a surgir oito personagens, entre pessoas e animais. O cavalo ferido, um dos elementos centrais da obra, é símbolo da revolta franquista. Ele está aterrorizado ocupa o centro da pintura e está tropeçando no cavaleiro, que está esparramado no chão e iluminado pelos raios pontiagudos de uma lâmpada. À esquerda, uma mãe chora em desespero com o filho morto em seus braços. Chamas consomem uma figura que grita. Um braço fantasmagórico aparece segurando uma lâmpada elétrica estilizada, que pode ter sido incluída como símbolo de modernidade e de progresso, além de representar as terríveis consequências da guerra. Três mulheres aparecem em diferentes situações, sendo todas em cenas de sofrimento. Uma delas está muito machucada, aparecendo desesperada, com expressão de muita dor. Medo e terror estão estampados nos rostos, distorcidos pela agonia, com olhos deslocados, as bocas semiabertas e línguas estilizadas.
10 – Note os Elementos – Guernica está repleta de símbolos e de elementos. Procure na obra algumas imagens ocultas, como um crânio (sobreposto ao tronco do cavalo), um touro (perto da perna dobrada do cavalo) e punhais que substituem línguas. A Vela, que aparece bem no centro da composição, pode representar uma pequena chama de esperança diante do desespero da guerra. O Cavalo mostra o limite da dor, com um grito selvagem e visceral. O Lustre, na parte superior, pode talvez ser interpretado como um grande olho divino que observa a cena. A mulher que segura o filho morto pode ser uma releitura da escultura “Pietà”, de Michelangelo, que mostra a famosa cena bíblica de Maria com Jesus, sem vida, em seu colo.
11 – Obra atemporal – Guernica é um símbolo mundial antiguerra e uma personificação da paz. É uma obra atemporal e um lembrete perpétuo para todas as tragédias que costumam acompanhar as guerras, independentemente de onde elas acontecem no planeta. Além de parecer uma fotografia estilizada, Guernica traz imagens da Imprensa. Já que Picasso morava na França na época, sua inspiração para a obra foi um artigo sobre a guerra. O painel tem textura de jornal em dois locais, no centro e no cavalo.
12 – Viagens internacionais – Picasso também fez um movimento para que a obra ficasse exilada após a feira e que não voltasse a ser exposta na Espanha enquanto a República não fosse restaurada. Temendo o crescimento da ocupação nazista na Europa, Picasso emprestou Guernicaao MoMA de Nova York por duas décadas e autorizou que fosse exposta em outros museus do mundo, iniciando um verdadeiro tour global para arrecadar fundos para os espanhóis refugiados, assim como gerar um profundo debate sobre arte, suas fontes e simbolismos. Apenas em 1981, Guernica retornou para a Espanha e, em 1992, foi transferida para o Reina Sofia, museu nacional criado especialmente para acomodar artes do século XX. Na ocasião, Picasso não gostou da transferência, declarando que preferia que seu painel ficasse entre as grandes obras-primas do Museu do Prado. Foi voto vencido.
13 – Guernica foi exposta no Brasil – Guernica veio para o Brasil em 1953 e foi o grande destaque da Segunda Bienal de Arte de São Paulo. A obra ajudou a influenciar a temática, os traços e o trabalho de importantes artistas brasileiros como Cícero Dias, que ficou impactado ao ver a obra em 1937, quando morava na Europa. Mudou seu estilo de pintar e começou uma amizade de anos com Picasso. Essa aproximação foi fundamental para obter autorização de Picasso para que Guernica e outros de seus desenhos fossem transportados para o Brasil. O painel fez muito sucesso de público e de crítica, que passaram a chamar a exposição de “A Bienal de Guernica”. Cândido Portinari também adaptou seu estilo de pintura após ver Guernica em 1942, durante um período que morava em Nova York. Um ano depois, quando retornou ao Brasil, encontrou o País sob a ditadura de Getúlio Vargas e sofrendo com os impactos da Segunda Guerra Mundial. Produziu oito painéis para a “Série Bíblica“, influenciada pela temática da dor e das questões sociais advindas da representação de Guernica. Depois disso, os dramas do Brasil passaram a fazer parte da temática de Portinari.
14 – Os alemães não entenderam a ironia de Picasso – Ao visitar o estúdio de Picasso em Paris, um oficial alemão viu uma foto de Guernica e perguntou se ele havia feito aquilo. Sem titubear, Picasso respondeu de bate pronto: “Não, você fez.” Outro momento envolvendo alemães foi ainda mais bizarro. Em 1990, o exército alemão usou uma foto de Guernica para ilustrar um cartaz de recrutamento, acrescentando o slogan desconcertante “Imagens hostis do inimigo são os pais da guerra”.
15 – Os americanos cobriram o painel de Guernica antes de declarar guerra – De 1985 a 2009, as Nações Unidas instalaram na entrada de seu Conselho de Segurança uma reprodução de Guernica feita em tapeçaria. Em fevereiro de 2003, Colin Powell, que era secretário de Estado do Governo de George W. Bush, fez um discurso televisionado no local para declarar guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. Uma grande cortina azul foi colocada para cobrir a tapeçaria durante o discurso de Powell e, assim, evitar problemas ainda maiores pois não havia a intenção de transmitir mensagens de `massacre a civis`.
16 – A obra quase foi destruída – Em 1974, um vândalo enfurecido usou um spray vermelho para pintar as palavras “Kill Lies All” em cima do painel de Picasso, quando ele estava exposto no MoMA. Após o crime, gritou que era um artista. Felizmente, o museu foi rápido para limpar a obra e deixá-la sem danos. Tony Shafrazi foi preso imediatamente.
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